Para reduzir gastos, gestão Temer quer rever distribuição de remédio
Plano é mudar atual modelo de pagamento à rede particular credenciada no Farmácia Popular
Para setor farmacêutico, as medidas colocam em xeque o programa; já o governo admite retomar entrega pela rede do SUS
Um dos mais conhecidos programas do Ministério da Saúde, o Farmácia Popular, iniciativa que oferta medicamentos gratuitos ou com até 90% de desconto, deve passar por mudanças. Para o setor farmacêutico, as medidas o colocam em risco.
Após fechar cerca de 400 farmácias da rede própria que mantinha no programa, o governo quer agora mudar o modelo de pagamento para farmácias particulares credenciadas. Hoje, há cerca de 30 mil estabelecimentos que ofertam os medicamentos no Aqui Tem Farmácia Popular, nome dado ao eixo do programa na rede particular.
Para o ministro Ricardo Barros (Saúde), o objetivo é reduzir gastos, tidos como mais altos do que na compra centralizada de remédios no SUS.
Representantes do setor e sanitaristas, porém, dizem que as novas propostas colocam o programa em xeque.
Hoje, farmácias recebem um reembolso do governo a cada produto dispensado, com base em uma tabela de valores de referência pré definidos para cada um deles.
O governo quer renegociar esses valores. De acordo o ministro, a ideia é propor um novo cálculo, definido por um preço base no atacado e 40% de margem para compensar os custos de aquisição e distribuição dos produtos.
Hoje, não há uma margem padrão, o que leva à diferença de valores, justifica.
“Vamos atualizar os preços para esse momento de mercado”, disse à Folha.
“Se fizemos essa margem, economizaremos R$ 600 milhões ao ano.” O programa, criado em 2004 no governo Lula, custa R$ 2,7 bilhões.
Há ainda um modelo alternativo em estudo, semelhante ao aplicado nas lotéricas.
Neste caso, as farmácias receberiam um valor fixo pelo procedimento de entrega do medicamento, não importa qual deles entregou. Neste caso, os medicamentos seriam do Ministério da Saúde.
As mudanças, porém, dependem de negociação com o setor. Segundo Sérgio Barreto, da Abrafarma, associação que reúne as redes de farmácias, os preços sugeridos na proposta, e que preveem redução de até 60%, não compensam os custos.
“Estão partindo de uma base que não está correta. Não consigo receber menos do que paguei para a indústria.”
Para ele, a medida pode inviabilizar o programa.
Posição semelhante tem representantes da indústria. “Nos parece perigoso que um dos poucos êxitos seja ameaçado”, diz Antônio Britto, da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa.
O Ministério cita exemplo da insulina, que custa R$ 10 o frasco no SUS e R$ 26 no Farmácia Popular. Para Britto, não é possível comparar os valores, por serem situações e volumes diferentes. SÓ NO SUS À Folha o ministro afirma que, caso não haja um acordo, a pasta pode voltar a distribuir todos os medicamentos da lista apenas no SUS. “Se não quiserem fazer nessa margem que estamos propondo, vamos centralizar a compra e fazer [a entrega] na nossa rede, que já está paga.”
Neste caso, diz, os valores pagos ao programa seriam direcionados a complementar as verbas de assistência farmacêutica, assim como ocorreu no fechamento das unidades próprias. Questionado se isso não indicaria o fim do programa, ele minimiza.
“Tem 1.500 municípios do Brasil que não têm Farmácia Popular nem rede própria nem conveniada. E nem por isso deixam de receber os medicamentos”, diz ele, que nega prejuízos à população no acesso a remédios. “O que afeta o acesso é pagar caro por algum medicamento.”
Arthur Chioro, ministro da Saúde na gestão Dilma Rousseff, tem visão oposta. “Observamos em relação ao Farmácia Popular a desmontagem do programa.” Ele diz que o programa foi criado para aumentar acesso a medicamentos para doenças comuns e reduzir custos com internação. Objetivo Facilitar acesso de medicamentos a usuários do SUS e atingir brasileiros que não precisam do SUS, mas têm dificuldade em custear tratamentos Farmácias particulares Em 2006, o programa foi estendido a farmácias privadas, com a rede Aqui Tem Farmácia Popular; elas oferecem uma lista diferente de remédios O QUE ESTÁ EM JOGO FARMÁCIAS PRÓPRIAS Modelo foi encerrado neste ano com o fechamento de cerca de 400 unidades, que eram mantidas pelo Ministério da Saúde; outras 11 devem ser fechadas até o fim deste ano Cerca de 80% dos gastos com unidades próprias (R$ 100 milhões) eram para custos operacionais, enquanto apenas 20% eram para medicamentos. Valores foram transferidos ao SUS Alguns avaliam que fechar unidades foi correto, outros dizem que os benefícios em saúde por aumentar acesso a remédios e tratamentos compensam custos operacionais OS CAMINHOS PARA RETIRAR UM REMÉDIO PELO SUS > Em unidade pública de saúde ou em unidade de distribuição > Cartão do SUS > Receita médica da rede pública ou privada (alguns municípios só aceitam da pública) > É baseada na Rename (relação de medicamentos essenciais do SUS); pode variar nos Estados e municípios, que podem acrescentar outros O que diz o governo O que dizem especialistas O que diz o setor Lista de medicamentos Há discrepância entre o que governo paga às farmácias credenciadas e o que ele gasta no SUS com os medicamentos. Insulina, por exemplo, custa R$ 26,55 à União no Farmácia Popular e R$ 10,50 no SUS Valores de reembolso são baixos e já não foram reajustados nos últimos anos; a tentativa de rever preços é inviável e pode levar a cortes no programa > Varia conforme a rede (própria ou credenciada); se limita a doenças mais comuns