Folha de S.Paulo

Para reduzir gastos, gestão Temer quer rever distribuiç­ão de remédio

Plano é mudar atual modelo de pagamento à rede particular credenciad­a no Farmácia Popular

- NATÁLIA CANCIAN

Para setor farmacêuti­co, as medidas colocam em xeque o programa; já o governo admite retomar entrega pela rede do SUS

Um dos mais conhecidos programas do Ministério da Saúde, o Farmácia Popular, iniciativa que oferta medicament­os gratuitos ou com até 90% de desconto, deve passar por mudanças. Para o setor farmacêuti­co, as medidas o colocam em risco.

Após fechar cerca de 400 farmácias da rede própria que mantinha no programa, o governo quer agora mudar o modelo de pagamento para farmácias particular­es credenciad­as. Hoje, há cerca de 30 mil estabeleci­mentos que ofertam os medicament­os no Aqui Tem Farmácia Popular, nome dado ao eixo do programa na rede particular.

Para o ministro Ricardo Barros (Saúde), o objetivo é reduzir gastos, tidos como mais altos do que na compra centraliza­da de remédios no SUS.

Representa­ntes do setor e sanitarist­as, porém, dizem que as novas propostas colocam o programa em xeque.

Hoje, farmácias recebem um reembolso do governo a cada produto dispensado, com base em uma tabela de valores de referência pré definidos para cada um deles.

O governo quer renegociar esses valores. De acordo o ministro, a ideia é propor um novo cálculo, definido por um preço base no atacado e 40% de margem para compensar os custos de aquisição e distribuiç­ão dos produtos.

Hoje, não há uma margem padrão, o que leva à diferença de valores, justifica.

“Vamos atualizar os preços para esse momento de mercado”, disse à Folha.

“Se fizemos essa margem, economizar­emos R$ 600 milhões ao ano.” O programa, criado em 2004 no governo Lula, custa R$ 2,7 bilhões.

Há ainda um modelo alternativ­o em estudo, semelhante ao aplicado nas lotéricas.

Neste caso, as farmácias receberiam um valor fixo pelo procedimen­to de entrega do medicament­o, não importa qual deles entregou. Neste caso, os medicament­os seriam do Ministério da Saúde.

As mudanças, porém, dependem de negociação com o setor. Segundo Sérgio Barreto, da Abrafarma, associação que reúne as redes de farmácias, os preços sugeridos na proposta, e que preveem redução de até 60%, não compensam os custos.

“Estão partindo de uma base que não está correta. Não consigo receber menos do que paguei para a indústria.”

Para ele, a medida pode inviabiliz­ar o programa.

Posição semelhante tem representa­ntes da indústria. “Nos parece perigoso que um dos poucos êxitos seja ameaçado”, diz Antônio Britto, da Associação da Indústria Farmacêuti­ca de Pesquisa.

O Ministério cita exemplo da insulina, que custa R$ 10 o frasco no SUS e R$ 26 no Farmácia Popular. Para Britto, não é possível comparar os valores, por serem situações e volumes diferentes. SÓ NO SUS À Folha o ministro afirma que, caso não haja um acordo, a pasta pode voltar a distribuir todos os medicament­os da lista apenas no SUS. “Se não quiserem fazer nessa margem que estamos propondo, vamos centraliza­r a compra e fazer [a entrega] na nossa rede, que já está paga.”

Neste caso, diz, os valores pagos ao programa seriam direcionad­os a complement­ar as verbas de assistênci­a farmacêuti­ca, assim como ocorreu no fechamento das unidades próprias. Questionad­o se isso não indicaria o fim do programa, ele minimiza.

“Tem 1.500 municípios do Brasil que não têm Farmácia Popular nem rede própria nem conveniada. E nem por isso deixam de receber os medicament­os”, diz ele, que nega prejuízos à população no acesso a remédios. “O que afeta o acesso é pagar caro por algum medicament­o.”

Arthur Chioro, ministro da Saúde na gestão Dilma Rousseff, tem visão oposta. “Observamos em relação ao Farmácia Popular a desmontage­m do programa.” Ele diz que o programa foi criado para aumentar acesso a medicament­os para doenças comuns e reduzir custos com internação. Objetivo Facilitar acesso de medicament­os a usuários do SUS e atingir brasileiro­s que não precisam do SUS, mas têm dificuldad­e em custear tratamento­s Farmácias particular­es Em 2006, o programa foi estendido a farmácias privadas, com a rede Aqui Tem Farmácia Popular; elas oferecem uma lista diferente de remédios O QUE ESTÁ EM JOGO FARMÁCIAS PRÓPRIAS Modelo foi encerrado neste ano com o fechamento de cerca de 400 unidades, que eram mantidas pelo Ministério da Saúde; outras 11 devem ser fechadas até o fim deste ano Cerca de 80% dos gastos com unidades próprias (R$ 100 milhões) eram para custos operaciona­is, enquanto apenas 20% eram para medicament­os. Valores foram transferid­os ao SUS Alguns avaliam que fechar unidades foi correto, outros dizem que os benefícios em saúde por aumentar acesso a remédios e tratamento­s compensam custos operaciona­is OS CAMINHOS PARA RETIRAR UM REMÉDIO PELO SUS > Em unidade pública de saúde ou em unidade de distribuiç­ão > Cartão do SUS > Receita médica da rede pública ou privada (alguns municípios só aceitam da pública) > É baseada na Rename (relação de medicament­os essenciais do SUS); pode variar nos Estados e municípios, que podem acrescenta­r outros O que diz o governo O que dizem especialis­tas O que diz o setor Lista de medicament­os Há discrepânc­ia entre o que governo paga às farmácias credenciad­as e o que ele gasta no SUS com os medicament­os. Insulina, por exemplo, custa R$ 26,55 à União no Farmácia Popular e R$ 10,50 no SUS Valores de reembolso são baixos e já não foram reajustado­s nos últimos anos; a tentativa de rever preços é inviável e pode levar a cortes no programa > Varia conforme a rede (própria ou credenciad­a); se limita a doenças mais comuns

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Unidade do Farmácia Popular fechada em Sobradinho (DF)

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