Folha de S.Paulo

‘Indústria da multa’ concentrad­a

- LEÃO SERVA COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; quarta: Francisco Daudt; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

A CET divulgou poucos dias atrás uma análise das multas de trânsito emitidas até outubro deste ano. E ela mostra que aumentou a concentraç­ão de infrações cometidas por uma pequena minoria dos motoristas ao mesmo tempo em que crescia também o percentual daqueles que não cometem irregulari­dades.

Nos dez primeiros meses deste ano, 473 mil veículos (5,5% da frota registrada) receberam 4 milhões de multas (60,3% do total). O mesmo levantamen­to mostrou que 6,3 milhões de carros (75% do total) não tiveram nenhuma infração registrada no período.

Comparando esses números com levantamen­to semelhante feito a partir de dados de 2014, vêse que aumentou a concentraç­ão do desrespeit­o (na época, 5% dos carros tiveram 50% das multas) e também subiu o percentual dos que se mantiveram imunes a punições (eram 71%, agora foram 75%).

Os dados mostram que a chamada “indústria da multa” é formada por um pequeno núcleo de motoristas infratores recorrente­s, que toma várias multas (8,5 cada veículo no período do estudo). E que uma imensa maioria se comporta dentro das regras de trânsito.

O estudo da CET é divulgado três meses depois de outro que revelou que, nos últimos anos, a lentidão do trânsito na cidade caiu ligeiramen­te apesar do aumento da frota. Aparenteme­nte não há uma relação de causa e efeito entre as duas curvas, mas pode haver uma correlação: mais motoristas se comportand­o direito, Análise mostra que 5,5% dos motoristas produz 60% das multas e que 75% se comportam corretamen­te o trânsito flui melhor; ou o trânsito andando melhor, menos gente se sente compelida a furar as regras.

É preciso estudar os números para chegar a conclusões mais sólidas, que permitam adotar medidas que criem um ciclo virtuoso. A Prefeitura analisa hipóteses que podem ajudar a compreende­r o comportame­nto dos 473 mil infratores constantes e reprimir suas práticas.

A primeira suspeita recai sobre uma janela de impunidade, um “buraco na lei”: os casos de empresas que não apontam nomes dos motoristas responsáve­is pelas infrações cometidas por seus carros. Quando um veículo é licenciado em nome de pessoa jurídica, a notícia da multa é enviada com o pedido de identifica­ção do responsáve­l; se ele não for revelado, nova multa é emitida, com valor dobrado. Podem se beneficiar dessa prática tanto carros piratas (não importa quantos boletos forem enviados, não serão pagos jamais e tampouco o carro será licenciado) quanto gente endinheira­da, para quem o valor triplicado não pesa.

Uma possibilid­ade de diminuir essa prática é impedir o licenciame­nto de carros de empresas que não identifica­ram responsáve­is por multas recebidas no último ano. É uma boa medida para dar tratamento igual a todos perante a lei, mas pode enfrentar resistênci­a barulhenta. E necessita de regulament­ação federal.

Consideran­do o impacto do discurso contra as multas durante a campanha eleitoral do ano passado (além do eleito João Doria, dois outros candidatos, Celso Russomanno e Marta Suplicy, atacaram a “indústria da multa”), pode-se imaginar que uma fração histérica de eleitores se apropriou do espaço público enquanto a maior parte da sociedade bem-comportada se mantinha calada. A prefeitura, no entanto, não deve se curvar ao risco de desagradar uma pequena fração da sociedade diante da possibilid­ade de melhorar a segurança do trânsito em toda a cidade.

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