Folha de S.Paulo

Fiocruz revela ‘livro médico’ do século 18 que receitava até cozinhar galo

- LUÍS COSTA

FOLHA, NO RIO

Dor de estômago: deve-se cozinhar o galo mais velho da casa por toda a noite com muito sal. Logo pela manhã, para cessar a dor, basta comer a iguaria e beber o caldo quente do cozimento.

Essa é uma das prescriçõe­s do “Formulário Médico”, manuscrito jesuíta de 225 páginas, datado de 1703. O livro raro foi selecionad­o para compor o registro brasileiro do programaMe­móriadoMun­do,da Unesco, que lista a cada ano patrimônio­sdocumenta­isconsider­ados representa­tivos da memória coletiva dos países.

O “Formulário” é um compilado de receitas médicas que circulavam entre padres jesuítas nos primeiros séculos do Brasil colonial. O livro traz remédios para doenças epidêmicas graves como varíola e sífilis, e para males como azia e mau hálito.

Guardado por mais de um século na biblioteca de obras raras da Fiocruz, no Rio, o manuscrito foi agora transcrito por paleografi­a —técnica que decifra a escrita incompreen­sível de documentos antigos— e será lançado em livro ano que vem pela editora da instituiçã­o.

O trabalho de transcriçã­o e análise histórica do volume envolveu mais de 40 profission­ais de 17 instituiçõ­es, segundo Maria Claudia Santiago, chefe da biblioteca de obras raras da Fiocruz.

Além de prescriçõe­s da farmacopei­a clássica, o manual contém indicações de ervas brasileira­s nomeadas pelos indígenas e receitas. GARRAFADA Entre as receitas, os jesuítas guardavam um tesouro médico: a “Triaga Brazilica”, composto de 27 ervas (25 das quais brasileira­s) cuja composição era mantida em sigilo pelos missionári­os.

A triaga (ancestral das “garrafadas”) prometia curar mordidas de animais peçonhento­s, dor de estômago, vômito, cólica, flatulênci­a, epilepsia, sarampo e outros males.

O composto ganhou fama internacio­nal e chegou a ser a segunda maior fonte de renda da Companhia de Jesus.

A influência indígena é farta nas receitas. O conservado­r da Fiocruz Marcelo Lima, que estudou o manuscrito, afirma que a relação entre jesuítas e pajés era, em geral, de distanciam­ento.

“Mas essa relação não foi sempre de embate”, diz Lima, que viu indícios de que padres buscaram informaçõe­s sobre ervas nativas com pajés.

O manuscrito está digitaliza­do e disponível para download no site da Fiocruz.

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Rodrigo Méxas / Fiocruz ‘Formulário Médico’, manuscrito jesuíta datado de 1703

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