Folha de S.Paulo

Ferguson dos pampas

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CONTA-SE QUE muitas vezes Alex Ferguson nem ia ao campo para os treinos do Manchester United. Montava o trabalho e os assistia de sua sala, pelo sistema de vídeo do clube. Foram 28 técnicos abaixo de Ferguson em seus 26 anos no United. Sete auxiliares diretos, de Archie Knox, de 1986 a 1991, a Mike Phelan, de 2008 a 2013.

A final da Libertador­es entre Grêmio e Lanús começa nesta quarta-feira (22) e não tem um sósia de Ferguson. Mas a confiança de Renato Gaúcho em um de seus auxiliares é enorme.

Se Ferguson não ia aos treinos, Renato vai. Diariament­e pisa o gramado e define como será o treinament­o. Mas o que Alexandre Mendes diz, Renato escuta.

Quando Luxemburgo dizia que Ferguson não dava treinos e podia fazer o mesmo, esquecia-se do que tinha de mais precioso. Todos os jogadores treinados por Luxemburgo nos anos 1990 dizem que nunca tiveram um treinador tão perfeito taticament­e.

Renato é diferente. É carisma. Mas estar no campo reforça a crença dos jogadores de que ele os conhece em todos os momentos.

Mais parecida do que a relação de Ferguson com seus assistente­s, a de Renato Gaúcho com Alexandre Mendes assemelha-se à do tempo em que Jurgen Klinsmann era o técnico da Alemanha e Joachim Löw, seu auxiliar. Klinsmann incomodava-se quando dizia-se que era apenas o motivador e Löw era o responsáve­l pela parte tática. O técnico campeão mundial de 2014 também rejeita este rótulo.

Mendes ajuda Renato a dar a compactaçã­o que falta a muitos times brasileiro­s. No primeiro jogo da semifinal, contra o Barcelona, em Guayaquil, o Grêmio deu espetáculo, mas recuou e aproximou suas linhas defensivas depois de fazer 1 a 0, aos 8 minutos.

Formavam-se duplas para evitar que o rival equatorian­o chegasse à linha de fundo pelas pontas. Pela direita, Ramiro recuava, da- va apoio a Edílson e contava com o auxílio de Arthur. Pela esquerda, o trio era formado pelo lateral Cortez, o ponta Fernandinh­o e o volante Jaílson.

Quando recuperava a bola, o Grêmio brilhava. Sem ela, bloqueava espaços quase à perfeição. Quase, porque num cruzamento da direita, Ariel finalizou e obrigou Marcelo Grohe a fazer a mais impression­ante defesa desta Libertador­es.

O Grêmio não terá vida fácil contra o Lanús. O clube da periferia de Buenos Aires entrou na Libertador­es como campeão argentino –o Boca conquistou o torneio seguinte, concluído em junho.

Tem tradição na América do Sul, com um título da velha Copa Conmebol e outro da Copa Sul-Americana. Joga num 4-3-3, com os pontas recuando quando perdem a bola e formando uma linha de cinco no meio-de-campo.

Edílson terá trabalho para marcar Lautaro Acosta, atacante pela esquerda, que entra em diagonal e faz gols. Não se resume ao lado esquerdo. Sabe fazer o pivô e, pelo meio, pode deixar o centroavan­te Sand na cara do gol. A decisão não é fácil. Se o Grêmio vencer, Renato parece disposto a permanecer. Pensa em alugar uma casa, montar uma quadra de futevôlei e fixar residência em Porto Alegre, o que não faz desde que se transferiu para o Flamengo, em 1986. Gaúcho de Ipanema, Renato pode ser o Ferguson dos Pampas.

Se Ferguson não ia aos treinos, Renato vai. Pisa o gramado e define como será o treinament­o

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