Folha de S.Paulo

Defesa diz que suposta ameaça era coceira

Promotoria afirma que réu no julgamento de caso de corrupção da Fifa fez ameaça ao argentino Alejandro Burzaco

- REBECCA R. RUIZ

Durante julgamento, réu peruano teria feito gesto de cortar a garganta para argentino testemunha de acusação

A primeira semana do julgamento dos ex-dirigentes sul-americanos José Maria Marin, Manuel Burga e Juan Ángel Napout, envolvidos no escândalo de corrupção da Fifa, em Nova York, apresentou revelações sobre propinas de empresas, corrupção de governos e esquemas de compra de votos.

Terminou com uma discussão sobre a condição da pele de um dos réus.

Na sexta-feira (17) à tarde, depois que a juíza mandou o júri para casa para o fim de semana, os promotores que passaram a semana detalhando a corrupção no futebol internacio­nal mudaram de rumo e afirmaram que dois aparentes gestos de cortar a garganta feitos no tribunal por Manuel Burga —uma antiga autoridade do futebol peruano que enfrenta uma acusação de formação de quadrilha para a prática de crimes— tinham sido uma tentativa de intimidar a primeira testemunha chamada a depor, o argentino Alejandro Burzaco.

“Provavelme­nte há motivos para se acreditar que ele tentou influencia­r a testemunha”, disse a juíza Pamela Chen, do Tribunal Distrital Federal para o Distrito Leste de Nova York. Ela estava avaliando se devia prender Burga, libertado sob fiança.

O comentário da juíza pro- vocou um grito do advogado de Burga, Bruce Udolf, que atribuiu os gestos a um problema de pele que causa coceira no pescoço de seu cliente. Ele disse que em vez de ser mandado para a cadeia, como pediram os promotores, Burga precisava consultar um dermatolog­ista.

Os gestos, feitos na terçafeira (14) e na quarta (15), fo- ram captados por câmeras e deverão ser apresentad­os como provas pelo governo, juntamente com depoimento­s da testemunha à qual os gestos teriam sido dirigidos.

Burzaco, um empresário argentino que há dois anos se declarou culpado de participar da rede de atividade criminosa global, terminou o seu depoimento no processo na manhã de sexta-feira.

Durante os quatro dias em que ele participou, disse que Burga solicitou propinas e aceitou promessas de futuros pagamentos. Mas, de acordo com Burzaco, Burga queria ser pago somente em dinheiro porque temia aceitar o que lhe deviam enquanto era investigad­o por lavagem de dinheiro no Peru.

Enquanto Burzaco era escoltado para fora do púlpito das testemunha­s na terça, informou a um agente federal sobre o gesto inicial de Burga, disse a juíza na sexta-feira. Na quarta, Burzaco começou a chorar durante seu depoimento, depois do segundo gesto feito por Burga.

Intimidaçã­o de testemunha­s, assim como formação de quadrilha, podem acarretar em pena de até 20 anos de prisão, o que significar­ia a possibilid­ade de uma sentença de 40 anos para Burga, que tem 60, caso seja considerad­o culpado dos dois crimes.

Burga, um advogado que usava terno escuro e gravata com nó apertado na sexta, comia bolachas enquanto caminhava pelo corredor no quarto andar do tribunal durante uma pausa de manhã.

Os promotores pediram que ele fosse reenviado à cadeia diante da ameaça que representa, na opinião deles.

Por enquanto, a juíza Chen modificou suas condições de fiança, colocou rastreador em seu telefone e limitou suas ligações a três números, pertencent­es à sua mulher, ao seu advogado e à linha de serviços pré-julgamento do tribunal. A mulher de Burga é gerente de um pequeno hotel em Lima, segundo Udolf.

“Se Burga é tão ousado a ponto de fazer isso no tribunal”, disse a juíza, “há certa preocupaçã­o” sobre a ameaça que ele pode representa­r. Ela acrescento­u que levou em consideraç­ão que ele não está sendo julgado por crime violento e que não tem histórico de crime violento.

O júri do julgamento é anônimo, depois de “tentativas documentad­as de obstrução da justiça e intimidaçã­o de testemunha­s”, o que foi citado em documentos do tribunal neste outono.

Burzaco deverá dar sua interpreta­ção dos gestos de Burga na próxima semana. Na sexta ele falou sobre o assunto só com os promotores, em particular.

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Don Emmert - 14.nov.2017/AFP À esquerda, Manuel Burga, peruano que, segundo a promotoria, teria feito ameaças a Alejandro Burzaco (à direita)
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Don Emmert - 18.set.2015/AFP

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