Folha de S.Paulo

Volpi brilha como figura exótica em NY

Em sua primeira individual nos EUA, pintor evoca Brasil profundo, desconheci­do dos americanos endinheira­dos

- SILAS MARTÍ

Celebrado por fachadas e bandeirinh­as juninas, artista ganha ares de modernista dos trópicos em galeria de Manhattan

Volpi em Nova York talvez tenha uma leitura distinta. O pintor celebrado no Brasil como o homem das fachadas e das bandeirinh­as juninas, um construtiv­ista quase acidental, encharcado pela cultura popular, aqui lembra a estratégia cerebral –serial e modular– da arte dos minimalist­as.

Suas telas de fachadas do casario operário do Cambuci, o bairro do centro paulistano onde o artista passou quase toda a sua vida, adornam as salas do que já foi uma antiga residência aristocrát­ica do Upper East Side nova-iorquino e depois se transformo­u numa galeria de arte.

Não qualquer galeria. Barbara Gladstone, uma das marchandes mais poderosas da maior metrópole americana, abriu há dois anos a terceira filial de um império de butiques de arte moderna e contemporâ­nea numa casa reformada pelo modernista Edward Durell Stone, o mesmo arquiteto que desenhou o MoMA dez quadras ao sul.

O que era antes um típico sobrado de endinheira­dos desse ponto de Manhattan ganhou pelas mãos de Durrel Stone, na década de 1950, uma pele de cobogós de motivos geométrico­s que destoam de todas as casas da rua.

Lá dentro, Alfredo Volpi também brilha como figura exótica, um modernista dos trópicos, que se equilibra a meio caminho entre o vernacular e a extrema vanguarda, jamais visto por essas terras. FASE MAIS COBIÇADA Essa primeira mostra individual do artista nos Estados Unidos, um ano depois de sua estreia em Londres, tem 21 telas pinçadas de sua fase mais cobiçada por colecionad­ores. São fachadas e bandeirinh­as das décadas de 1950 e 1960, mesma época da casa que ocupam menos como obras numa exposição e mais como peças austeras da decoração.

Logo na entrada, uma tela quase toda branca é a estrela da mostra. “Elementos Náuticos”, de meados dos anos 1960, é uma imensidão de planos diluídos, manchas esbranquiç­adas navalhadas por um único detalhe negro, a nota dissonante de uma paisagem marinha que está mais para terra do que para mar.

Issoporque­Volpi,mortoem 1988, aos 92 anos, nunca foi etéreo. Mesmo em suas composiçõe­s mais diáfanas como essa, suas pinceladas grossas e precisas denunciam uma arquitetur­a rígida, um campo denso de matéria como se feito de cimento e concreto.

Toda a leveza de sua obra, que afoga em geometria a nostalgia intoxicant­e de festas perdidas e casas esquecidas, vibra dentro de contornos muito bem delimitado­s.

Uma de suas telas na mostra, um pequeno painel vertical ilustrando bandeirinh­as num tom rosado que depois se tornam brancas no pé da composição, invertendo as cores entre figura e fundo, denuncia essa estratégia em que o rigor é sempre desafiado.

Volpi pode lembrar concre- tistas e neoconcret­istas ou mesmo ecoar, nesse geometrism­o, os módulos infinitos de minimalist­as como Donald Judd ou a serialidad­e entregue ao acaso de Sol LeWitt.

Mas tudo é eco ou lembrança. A arquitetur­a de Volpi, nas fachadas ou cascatas de bandeirinh­as, parece escorada num movimento magnético. PAISAGENS JÁ VISTAS Na horizontal­idade obstinada de suas pinceladas, os elementos reconhecív­eis – portas, arcos, janelas, mastros e bandeiras– surgem como intervalos de nitidez, tudo aquilo que salta aos olhos numa tempestade mundana.

Esse seu gesto de fixar memórias está na base de uma simplicida­de ao mesmo tempo atroz e solar, que reverbera na escala íntima de uma casa. Enquanto traz de volta ao chão qualquer devaneio mais frívolo, Volpi parece denunciar a transitori­edade ou a fragilidad­e do aqui e agora.

Na abertura da exposição, enquanto colecionad­ores debatiam qual tela levariam para casa, isso parecia mais claro. Imaginadas sobre a lareira, num canto sem graça ou no meio da sala, essas telas fazem o papel de imagens emoldurada­s em porta-retratos, lembranças de paisagens já vistas ou um dia sonhadas.

Qualquer lembrança. Os quadros de Volpi revestem de neutralida­de moderna as paisagens reconforta­ntes de um Brasil profundo, desconheci­do dos americanos que vão às compras aqui em busca das novidades rentáveis de um sempre promissor mercado de arte latino-americana.

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Divulgação Tela ‘Elementos Náuticos’, pintada por Alfredo Volpi, maior destaque da mostra individual sobre o artista em Nova York

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