Com abordagem conservadora, ‘Os Últimos Dias da Noite’ é pífio
A obra de Leo Huberman mexeu até com a vida íntima do editor. “História da Riqueza do Homem” foi indicado como leitura no tradicional Colégio Bennett, onde os três filhos do editor estudavam. Mas o professor que fez a indicação se viu obrigado deixar o colégio, depois do golpe de 1964, apontado como “comunista”. Jorge fez o mesmo: tirou os três filhos de lá.
Homem discreto, apreciador de uísque e sinuca, leitor de Drummond e Baudelaire, conversador das madrugadas, grande formador de leitores. O livro que acaba de sair lhe faz um retrato fiel.
FOLHA
Terei de fazer em breve uma viagem que me promete uma espera de mais de três horas por uma conexão. Lamento não contar com esse livro, que seria bom companheiro para a espera típica de um aeroporto, quando sua atenção se divide entre a leitura e as chamadas de voo.
O título “Os Últimos Dias da Noite” se refere ao advento da energia elétrica, cuja distribuição e uso são objeto de disputa a um só tempo tecnológica, comercial e jurídica. A narrativa se cola às aventuras de Paul Cravath, advogado jovem e brilhante, envolvido na disputa entre gigantes da inovação no finalzinho do século 19.
Figuras como Thomas Edison e George Westinghouse, com Nikola Tesla entre um e outro, disputam patentes e concepções sobre a melhor forma de lidar com a energia, e avançar o negócio de geração e disponibilização.
É, supostamente, um “romance histórico”, que quer dizer que os protagonistas são figuras de fato, tornadas ficcionais pelo empenho do autor em mudar o documentado (alterações explicadas e justificadas em “Nota do autor” de mais de dez páginas) para que se ajustem a um certo ideal de narrativa.
À maneira de um folhetim da época, tem enredo cativante, repleto de incidentes. Cenas estonteantes, reviravoltas, espionagem industrial, um marioneteiro-mor operando nos bastidores e até casamento e brindes em honra à harmonia mundi no final: é basicamente isso.
O período —virada de uns 20 anos entre os séculos 19 e 20— e o terreno —o advento de tecnologias que, em chegada súbita e maciça, parecem miraculosas e têm impacto assombroso— é o mesmo abordado no filme de Christopher Nolan “O Grande Truque” (2006) e na série de Steven Soderbergh “The Knick” (2014-2015). Mas nesses dois casos (na série em particular) o tratamento da época é ousado e magistral.
Aqui, a abordagem é tão conservadora que o resultado é pífio. Uma pegada original passou longe, e o máximo que se pode dizer cabe numa fórmula algo canhestra: é um livro que se lê como se fosse um filme. Não é à toa: Moore é roteirista premiado. Indica seu agente literário como “parceiro criativo”. É o vício do cachimbo do autor, e aposto que um filme extraído desse livro já está no forno.
Logo nas primeiras páginas, numa descrição espetacular, um operário é eletrocutado acidentalmente, e talvez o manejo do incidente demonstre o que me parece sugestão, subliminar, do livro.
Aos atores ditos menores da História, restam as chamas e o desaparecimento. E aos grandes inovadores da tecnologia (e, principalmente, do seu acertado comércio), reserva-se o protagonismo e as loas. É essa a “mensagem”? Em torno desse acontecimento terrível e grotesco, o narrador anota que “as histórias chegam a um final, e depois vão embora”, e me ocorreu que, se tivesse mesmo lido o livro na sala do aeroporto, poderia esquecê-lo numa cadeira, sem qualquer prejuízo. ANTONIO MARCOS PEREIRA