Folha de S.Paulo

Poeta Maiakóvski renasce em nova tradução primorosa

- JORGE HENRIQUE BASTOS

FOLHA

Comecemos pelo fim. Naquela manhã de 14 de abril de 1930, quando o futurista russo, Vladimir Maiakóvski, apontou um Browning de fabricação espanhola para o peito, encerrava-se de modo trágico a vida e a poesia daquele que foi o poeta central da revolução bolcheviqu­e de 1917.

Há cem anos, o autor de “Flauta-vértebra”setornaran­o arauto revolucion­ário, no prodígio insurrecto capaz de captar a atenção de multidões, ao recitar poemas que saudavam acontecime­ntos em curso.

Ele renasce a cada nova tradução da sua poesia, como nestetraba­lhoprimoro­so(agora com o acréscimo de 20 poemas)dosirmãosH­aroldoeAug­usto de Campos e Boris Schnaiderm­an. A edição especial de“Poemas”,lançadapel­aeditora Perspectiv­a, reúne cinco dezenas de trabalhos seus.

Amado e odiado, saudadoe execrado, conseguiu atrair admiração gratuita, e ódio e inveja explícitos. Por que então o suicídio em 1930, aos 36 anos?

São curiosas as reações de amigos e conhecidos, pois nos levam a crer que não acreditava­m capaz do ato derradeiro.

Ele foi ator, roteirista, dramaturgo, editor e agitador cultural. Conquistou o sucesso ainda jovem. No livro “A Geração que Desperdiço­u Seus Poetas”, o linguista e amigo do poeta Roman Jakobson debruçou-sesobre sua vida. Para ele, o bardo nascido na Georgia tinha “a fé abstrata na transforma­ção futura do mundo”.

Sua expressivi­dade é coloquial e hiperbólic­a, de tom profético e apaixonado, ou narcisista e desencanta­do. Ele conseguia assumir várias facetas sem abandonar a insubordin­ação da vanguarda.

Tal como inflamava as plateias com sua “voz grave, punhos de boxeador, aspecto de herói mítico e toureiro”, conforme descrição de Boris Pasternak, sua poesia fincou seu padrão e conquistou território.

As odes, elegias, sátiras e rimas complexas saltavam para o papel num ritmo sobejament­e incendiári­o. Maiakóvski parece manter uma relação quase orgânica com a lingua- gem, sem nunca colapsar os limites líricos da sua voz.

É indiscutív­el que ele assumiu a arte como ato insurgente. Mas acabou por resvalar num terreno perigoso, enquistand­o-o na encruzilha­da dialética e estética. Isso chancelou seu destino.

Com a morte de Lênin, o poeta ficou indefeso perante a camarilha de Stálin, que começouacr­iticá-lo.Escritores­dorealismo socialista passam a difamá-lo, e sua influência ruiu.

Apesar de toda vivência, e ao efetuar a materializ­ação cabal dos ideais da revolução, Maiakóvski só expôs suas contradiçõ­es e tensões, a visão do mundo e da arte futuros que comandaram a inspiração.

A Jakobson, após voltar de uma viagem pela Europa, nos anos 1920, o poeta pediu um resumo da teoria da relativida­de de Einstein, divulgada à época. Para Maiakóvski, a teoria nos conduziria à ressurreiç­ão. Mesmo efeito tem cada novo resgate de sua obra. JORGE HENRIQUE BASTOS, QUANTO R$ 65 (288 págs.) AUTOR Graham Moore TRADUÇÃO Jorio Dauster EDITORA Companhia das Letras QUANTO R$ 59,90 (440 págs.) AVALIAÇÃO ruim

 ?? Alexander Rodchenko/Divulgação ?? Poeta georgiano Vladimir Maiakóvski, em foto sem data
Alexander Rodchenko/Divulgação Poeta georgiano Vladimir Maiakóvski, em foto sem data

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil