Folha de S.Paulo

Janela aberta

Ainda há tempo e ambiente político para avançar em reformas cruciais como a da Previdênci­a, mesmo reduzida, e a privatizaç­ão da Eletrobras

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Duas forças motrizes explicam o raro avanço reformista experiment­ado pelo Brasil em um ano e meio do governo Michel Temer (PMDB).

A primeira, mais simples, é a necessidad­e premente. Após anos de indolência, em que o país colhia os frutos fáceis da prosperida­de global, seguidos por uma quadra de gestão perdulária, chegou-se a uma combinação trágica de governo falido e setor privado estacionad­o em baixa produtivid­ade.

Do lado orçamentár­io, o fim da era de arrecadaçõ­es crescentes explicitou o desequilíb­rio insustentá­vel da Previdênci­a Social.

No setor produtivo, a brutal recessão impôs que se enfrentass­em a obsolescên­cia das leis trabalhist­as, os entraves do ambiente de negócios e as distorções provocadas pela ação estatal excessiva.

Tudo isso já havia sido reconhecid­o no segundo mandato de Dilma Rousseff, que tentou uma guinada radical da pauta petista —fato que seus correligio­nários hoje omitem por conveniênc­ia.

Entretanto a aliança política capaz de levar adiante as reformas só se viabilizou com a deposição da presidente. Foi justamente a natureza parlamenta­r desse processo o segundo fator a impulsiona­r a agenda de ajuste econômico.

Não se trata de festejar o impeachmen­t, evento traumático que expõe fragilidad­es de nossa democracia, nem de fechar os olhos para a permanênci­a de nomes e práticas deplorávei­s sob Temer.

Mas cumpre apontar que se abriu em seu governo uma janela para transforma­ções que, embora cruciais, há décadas se enredavam na falta de convicção do Executivo ou na pulverizaç­ão de interesses congressua­is.

No interesse maior do país, há que fazer o máximo de tal oportunida­de. Nesse sentido, as energias restantes devem se concentrar no que é possível e fundamenta­l.

Felizmente, continuam as negociaçõe­s para a reformulaç­ão do sistema previdenci­ário. Mesmo na versão limitada a idade mínima para a aposentado­ria, regra de transição para os trabalhado­res na ativa e unificação dos regimes dos setores público e privado, o texto permite melhora expressiva das perspectiv­as orçamentár­ias futuras.

Um projeto consistent­e para a privatizaç­ão da Eletrobras deve ser enviado ao Congresso o quanto antes, para que se retome o processo de redução do peso do Estado na atividade produtiva —interrompi­do por um misto de interesse corporativ­o, fisiologis­mo político e preconceit­o ideológico.

Na área administra­tiva, restam medidas emergencia­is para conter gastos, como o adiamento dos reajustes salariais irresponsa­velmente concedidos em 2016.

Hátempoain­daparaopro­grama de desburocra­tização, com queda do tempo necessário para a abertura de empresas e, fora do campo econômico, a definição da Base Nacional Comum Curricular dos ensinos fundamenta­l e médio.

Por imposição da realidade, a janela reformista permanece aberta. Aproveitá-la é a melhor chance de evitar mais uma década perdida.

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