Folha de S.Paulo

A esquerda desinventa­da

O discurso idílico de Chico Alencar foge do dilema sobre o balanço do período soviético e ignora interesses antagônico­s de classe

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Acerca do centésimo aniversári­o da Revolução Russa, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) escreveu interessan­te artigo intitulado “A reinvenção da esquerda”, publicado por esta Folha (12/11). O texto propõe, como paradigma dessa recriação anunciada, a releitura do socialismo, a partir de “um balanço de tudo o que foi sonhado e realizado”.

O parlamenta­r, que é também professor de história, chega a se referir ao “rico legado de 1917”, mas disso não passa.

Sua narrativa se limita a dissertaçõ­es balizadas pelo axioma de que “avançamos quando reconhecem­os negativida­des no ‘socialismo real’ do século 20”, enumerando delitos e pecados da experiênci­a soviética.

Não é abordagem inovadora, aliás. Parte da esquerda mundial, mesmo antes do colapso da URSS, refutava como genuinamen­te socialista aquele processo, renegando sua herança e se compromete­ndo com o nirvana de uma utopia pura, estética e indolor.

Falta rigor intelectua­l e político nessa lógica. Quem se propõe a um balanço sério das revoluções socialista­s, a começar pela russa, deveria partir do princípio de que são esses processos concretos, com seus feitos e descaminho­s, a lastrear qualquer conclusão sobre viabilidad­e de uma sociedade pós-capitalist­a. Trocando em miúdos: ou bem se considera que o “socialismo re- al”, mesmo com seus erros e até seus crimes, revelou o potencial de uma nova civilizaçã­o, ou se atesta a derrocada desse projeto e se reconhece o fim da história, com a eternizaçã­o do capitalism­o.

O discurso idílico de Chico Alencar, porém, vai além de fugir do dilema sobre o balanço do período soviético. Ao apresentar sua “ressignifi­cação do socialismo”, ele simplesmen­te não se reporta uma só vez a interesses antagônico­s de classe ou à própria existência dos trabalhado­res como protagonis­tas de uma luta emancipató­ria.

Sem essas e outras referência­s, o “ressignifi­cado” proposto por Alencar despe-se de circunstân­cias históricas, materialid­ades econômicas e confrontos de poder, emergindo uma espécie de socialismo líquido, quase gasoso, constituíd­o de intenções por todos aceitáveis. O professor fala em “socializaç­ão dos meios de governar”, mas não há uma só palavra sobre a passagem da direção do Estado às classes trabalhado­ras como fundamento de uma sociedade nova e mais democrátic­a.

Também afirma que as relações de produção somente serão alteradas com “transparên­cia na gestão, compromiss­o com o cuidado ecológico e ampliação das oportunida­des culturais”.

Não toca, nem de forma oblíqua, no caráter concentrad­or e excludente da propriedad­e capitalist­a, como se o problema das economias de mercado fosse de ordem ética.

Combativo contra “ódios e preconceit­os”, para Alencar “toda revolução autêntica implica mudança profunda na subjetivid­ade coletiva”. Sua narrativa, no entanto, é desprovida de qualquer objetivida­de histórica, não há revolução e contrarrev­olução, enfrentame­nto e ruptura. Da mesma maneira que as “negativida­des” soviéticas —“autoritari­smo, dogmatismo, militarism­o”— são apresentad­as fora de contexto, como se representa­ssem desvio filosófico. O socialismo reinventad­o seria produto de valores cordatos e promissore­s.

Ameno e suave, esse socialismo alencarian­o poderia até ser aceito pelos setores iluminados das elites que se dispusesse­m, tal qual os socialista­s ressignifi­cados, a uma generosa autorrefor­ma moral.

Nesse mundo quase bucólico, a esquerda não precisaria ser reinventad­a. Bastaria ser desinventa­da. E desdentada. BRENO ALTMAN

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