Folha de S.Paulo

ANÁLISE Novo presidente deverá buscar ampliar sua coalizão

- ADRIÁN ALBALA

FOLHA

Os surpreende­ntes resultados do primeiro turno das eleições do Chile abrem um cenário inédito de imprevisib­ilidade quanto à definição do vencedor final e à composição do próximo governo.

Nenhum candidato parece em condição de formar uma coalizão majoritári­a, o que dificulta a governabil­idade.

Se o candidato da direita e ex-presidente Sebastián Piñera chegou em primeiro, como previsto, estacionou nos 36,6%, bem menos do que as pesquisas lhe atribuíam.

Se somarmos a esse percentual os votos obtidos pelo candidato da extrema direita pró-Pinochet, José Antonio Kast (Bolsonaro à chilena), chegamos a 44,5%. Ou seja, Piñera não tem a eleição ganha. Além disso, com 73 deputados (47%) e 19 senadores (44%), não contaria com maioria parlamenta­r.

Do outro lado, o candidato da coalizão da atual situação de centro-esquerda, Alejandro Guillier, conseguiu chegar ao segundo turno com 22,7%. Esse resultado precisa ser colocado em perspectiv­a com os inesperado­s níveis de votação (20,3%) da coalizão de esquerda, Frente Ampla (FA), que se firmou como a terceira força da política chilena.

Se aos dois somarmos o resultado do pequeno candidato esquerdist­a Marco Enríquez-Ominami (5,7%), chegamos a um potencial de 48,7% dos votos. Isso pressupõe, portanto, que Guillier adote uma postura mais de esquerda para o segundo turno.

No entanto, conseguir um apoio eleitoral explícito da FA parece tarefa difícil. Mesmo se os terceiros colocados apoiarem Guillier, é muito im- provável que isso se traduza em um governo de coalizão em caso de vitória.

Os dois candidatos qualificad­os para o segundo turno enfrentam o mesmo dilema de equilibris­ta: adotar estratégia­s centrífuga­s para poder garantir o apoio dos eleitores dos candidatos eliminados, sem se afastar demais do debilitado centro, encarnado pela Democracia Cristã (DC).

Desde 1990, a DC esteve alinhada com os partidos progressis­tas de cunho social-democrata,emumacoali­zãoque retomava o antagonism­o pró/ anti-Pinochet. Mas as relações azedaram durante o segundo mandato de Michelle Bachelet, levando a cúpula do partido a apresentar uma candidata e listas parlamenta­res por fora da coalizão.

O tiro saiu pela culatra, pois o partido teve resultados catastrófi­cos tanto para presidente (5,8%) como para parlamenta­res. Com só seis senadores e 14 deputados, a DC parece relegada a um papel coadjuvant­e.

Mesmo se a sigla aceitasse voltar a formar uma coalizão de governo com Guillier, o grupo resultante não seria majoritári­o —controlari­a apenas 36% da Câmara e 46% do Senado. Só uma megacoaliz­ão (improvável) com a FA poderia outorgar uma maioria.

Seja quem for ele, o próximo presidente deverá enfrentar a necessidad­e de ampliar sua coalizão ou então batalhar por acordos pontuais, acrescenta­ndo imprevisib­ilidade a sua ação política. Tudo isso em um clima de ampla desconfian­ça com a política, ilustrada neste domingo com o baixo nível de participaç­ão (46,1%). ADRIÁN ALBALA,

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