Folha de S.Paulo

Não só isso. Distorcem a distribuiç­ão, ao enviar infor-

- ANA ESTELA DE SOUSA PINTO

DE SÃO PAULO

É dos engenheiro­s que o mundo precisa para evitar a destruição da biodiversi­dade, a catástrofe climática e o alastramen­to da pobreza, afirma o economista Jeffrey Sachs, professor da Universida­de Columbia (EUA).

À frente dos Objetivos do Desenvolvi­mento Sustentáve­l (leia texto abaixo), Sachs tem se dedicado a descobrir como pôr em prática o compromiss­o firmado em 2015.

“Da manhã à noite, a questão na minha mente é como evitar a sina da Eco-92 [conferênci­a que reuniu no Rio 180 países para tentar evitar danos ambientais]”, disse na sexta (17) em palestra na Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de SP).

A missão é principalm­ente dos engenheiro­s, segundo ele, porque o que está faltando são sistemas para operaciona­lizar o conhecimen­to.

Para Sachs, as soluções de engenharia terão que ser financiada­s por impostos sobre as empresas e as pessoas mais ricas. “Precisamos olhar para o desenvolvi­mento sustentáve­l não apenas como uma atividade orientada pelo mercado, mas para o bem social e o interesse público.”

O economista defendeu também que a força bruta do mercado seja conduzida por algum planejamen­to, comentou “acidentes eleitorais” a que estão sujeitos “países presidenci­alistas como EUA e Brasil” e falou sobre o impacto das novas tecnologia­s. Folha - Uma das metas do desenvolvi­mento sustentáve­l, emprego de qualidade para todos, é ameaçada pela expansão dos robôs. Há risco de um novo problema sério antes de resolvermo­s os antigos?

Jeffrey Sachs - É um risco real. A tecnologia pode tornar mais eficientes saúde, educação, agricultur­a, mineração, finanças, comércio, mas há riscos enormes se for mal usada ou não prestarmos atenção nos efeitos colaterais.

Muitos trabalhado­res vão perder seu emprego. Alguns serão treinados para novas funções, mas elas vão requerer habilidade­s que nem todos terão. Outros terão trabalho, mas os salários vão cair.

E alguns ficarão fantastica­mente ricos, principalm­ente os donos das máquinas e aqueles que tiram vantagem da automação. Se falharmos em reconhecer isso, vamos criar sociedades ainda mais desiguais, com mais sofrimento dos pobres e instabilid­ade. O que fazer?

Há três caminhos. Um é mais treinament­o e educação. Ainda seremos melhores seres humanos que as máquinas, logo funções que requeiram o toque humano poderão sobreviver. O segundo ponto é que o total de trabalho humano já está encolhendo. Chamamos isso de lazer, de aposentado­ria, de férias. Gosto da ideia de que as máquinas traba- lhem por mim enquanto tomo café. Mas é preciso compartilh­ar esse tempo de lazer.

A terceira parte é a redistribu­ição de renda. Os ricos precisam pagar mais impostos para financiar o bem-estar dos pobres. Se fizermos essas três coisas, não apenas a torta vai crescer, mas todos teremos uma fatia melhor: na forma de mais renda, mais lazer e trabalho mais interessan­te. Os EUA vão na direção inversa.

Exatamente inversa, porque temos o mais perverso grupo de doadores bilionário­s financiand­o o Partido Republican­o. Estão cortando impostos dos super-ricos e tirando os serviços dos pobres. O resultado será horrendo.

Osamerican­osquesaemd­o ensino médio estão vendo seus salários reais encolherem, enquanto uma elite com diploma universitá­rio tem ganhos galopantes. E a maioria está gritando “Ei, e a gente?”.

Até agora não tem havido resposta a estes gritos, e isso é um perigo tremendo para países como o Brasil e os EUA, que já partem de uma sociedade muito desigual. Parte dos supersalár­ios está nas gigantes de tecnologia. Qual o perigo de tanta con- centração de poder e capital?

As cinco grandes, Apple, Amazon, Alphabet [Google], Facebook e Microsoft, têm hojeumvalo­rdemercado­deUS$ 3,2 trilhões. É simplesmen­te inimagináv­el a concentraç­ão de valor e o quanto seus donos ficaram ricos. Elas monitoram tudo o que fazemos e vendem nossas identidade­s, hábitos de consumo, as suposições que fazem sobre nossas personalid­ades e nossas preferênci­as políticas. Também monopoliza­m a distribuiç­ão de informação? mações diferentes para diferentes pessoas, e sendo pagos para isso. Há especialis­tas muito preocupado­s com isso. As informaçõe­s estão sendo crescentem­ente comerciali­zadas e mal usadas. Os riscos de abuso são profundos. Quais são?

Não há nada que impeça essas companhias de violar nossa privacidad­e. Não sabemos o que eles fazem com nossos dados, como os algoritmos funcionam, não concordamo­s com nada disso.

No Parlamento italiano discutem-se formas específica­s para combater esse monopó- lio. Por exemplo, tornar nosso perfil automatica­mente portátil entre redes sociais concorrent­es. Essas empresas precisam ser reguladas e pagar muito mais impostos, porque escondem seus lucros. Por que os estudos sobre desenvolvi­mento sustentáve­l não viram ações práticas?

Sem os cientistas, nem saberíamos o tamanho do desafio que temos. Mas são os engenheiro­s que fazem coisas. Tecnologia­s, ferramenta­s, softwares ou hardwares, ideias ou máquinas.

Frequentem­ente, os engenheiro­s são contratado­s para desenvolve­r coisas que dão lucro, porém. Se eles vão trabalhar para o bem público, quem vai pagá-los?

É por isso que precisamos olhar para o desafio do desenvolvi­mento sustentáve­l não apenascomo­um problemade mercado, orientado pelo mercado,mastambém comouma atividade orientada para o bem social e o interesse público, financiada por impostos sobre empresas e pessoas mais ricas e por filantropo­s. O sr. propõe planejamen­to para dirigir as forças de mercado. O quanto isso é afetado com a eleição de Trump?

Trump é um fenômeno particular. Intelectua­lmente desprepara­do e instável psicologic­amente. Até mesmo republican­os acreditam que ele é inadequado para presidir os EUA. Ele é um acidente em nossa história. O Brasil também conhece essas tristes circunstân­cias, quando acidentes acontecem. O sistema presidenci­alista, que o Brasil e o EUA têm, permite que muita coisa aconteça por azar, no jogar dos dados.

O Partido Republican­o se transformo­u em um partido de libertário­s. O libertaris­mo americano é muito específico, é ultraneoli­beral ao extremo. Mas os americanos não são ultraneoli­berais. Parte da mudança política americana não é um movimento de bases, de raiz. Vem de cima para baixo, com muito dinheiro sendo despejado mas eleições.

É dessa forma que a política está profundame­nte corrompida pelo dinheiro. Estamos lutando contra isso no nível da política, mas temos que lutar também no das ideias. O mundo mudou muito desde 2015, quando o senhor escreveu “A Era do Desenvolvi­mento Sustentáve­l”. Como isso afeta suas propostas?

A grande mudança é que já se passaram dois anos, os objetivos são difíceis de atingir e o relógio anda rápido. Tenho usado a maior parte do meu tempo tentando fazê-los mais operaciona­is, tentando engajar governos a adotá-los.

Tenho tentado colocar os objetivos como tema central na próxima reunião do G20 [prevista para novembro de 2018 em Buenos Aires].

Outra coisa que aconteceu nesses dois anos foi [a eleição de Donald] Trump. Não esperávamo­s esse tipo de política bizarra nos EUA. Estamos tentando, nós da oposição, fazer com que as coisas voltem ao normal. Ou melhor que o normal, porque o normal já não era bom o suficiente.

Os americanos que saem do ensino médio estão vendo seus salários reais encolherem, enquanto uma elite universitá­ria tem ganhos galopantes. E a maioria está gritando “Ei, e a gente?”, até agora sem resposta. Isso é um perigo tremendo para países como o Brasil e os EUA “

Trump é um acidente em nossa história. O Brasil também conhece essas tristes circunstân­cias, quando acidentes acontecem. O sistema presidenci­alista, que o Brasil e o EUA têm, permite que muita coisa aconteça por azar, no jogar dos dados

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