Folha de S.Paulo

Cidade do PR remói ‘luto’ 35 anos após fechamento de parque das Sete Quedas

Principal atividade econômica e turística de Guaíra (Paraná), com 19 saltos d’água, deu lugar a lago de hidrelétri­ca de Itaipu

- MARCELO TOLEDO MS

“Quando os portões do extinto Parque Nacional de Sete Quedas se fecharem hoje, às 18h, as Sete Quedas desaparece­rão dos roteiros turísticos. A partir de amanhã, apenas poucos funcionári­os e operários da Itaipu Binacional poderão entrar no parque e contemplar, da terra, uma das principais belezas naturais do país, condenada ao desapareci­mento quando foi aprovado o projeto da hidrelétri­ca no rio Paraná.”

Assim a Folha noticiou, em 19 de setembro de 1982, o fim da visitação aos 19 saltos (agrupados em sete conjuntos) que compunham Sete Quedas, em Guaíra (PR).

O acontecime­nto arrasou a economia local, dependente do turismo, e teve como consequênc­ia o encolhimen­to da cidade nas décadas seguintes. Passados 35 anos, ela ainda tenta se reerguer.

Hotéis e restaurant­es faliram, lojas fecharam, e muitos habitantes migraram para outras localidade­s. A população da cidade, segundo moradores, chegava a dobrar em finais de semana devido ao turismo. Sem Sete Quedas, muitos ficaram sem ter o que fazer e foram embora.

Os saltos deixaram de existir devido à construção da hidrelétri­ca de Itaipu, que inundou totalmente o local.

A agonia do fim do atrativo já era sentida em 1973, quando foi assinado o tratado de Itaipu, com o uso do potencial hidrelétri­co do rio Paraná. Em 13 de outubro de 1982, a cidade viveu um autêntico luto, com o fechamento das comportas de Itaipu e o início do alagamento da região das quedas.

“Dia 27 [14 dias depois], as Sete Quedas já estavam totalmente cobertas pela água. É um trauma na história da cidade. Embora já se soubesse que elas seriam alagadas, foi muito rápido”, diz o memorialis­ta Cristian Edgar Aguazo.

Enquanto em 1970 Guaíra tinha 32.876 habitantes, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a), dez anos depois, já com Itaipu em construção, caiu para 30.012. Em 2000, reduziu mais (28.659). Neste ano, atingiu 32.974 e voltou a ter a população de 47 anos atrás.

A Folha percorreu o trecho do rio Paraná onde as quedas estão submersas —a maioria delas fica do lado paraguaio, em Salto del Guairá. O local é de fácil identifica­ção por moradores, por ficar próximo a torres de transmissã­o de energia elétrica, 20 m abaixo do nível médio do rio nesta época do ano, segundo eles. DRAMA Não bastasse o trauma da perda do principal motor da economia local, uma tragédia abalou o último ano de visitação às Sete Quedas.

Com o anúncio do alagamento, o local passou a receber ainda mais turistas que o habitual e, na manhã de 17 de janeiro de 1982, um domingo, cabos que sustentava­m uma ponte se romperam e ao menos 29 pessoas morreram levadas pela água.

A tragédia poderia ser ainda maior não fosse a atuação de João Lima Morais, 62, o João Mandi –em alusão a uma espécie de peixe. Ao saber do acidente, foi ao local e se jo-

HERALDO TRENTO

prefeito de Guaíra gou na forte correnteza para tentar resgatar as pessoas que encontrava. Conseguiu salvar cinco mulheres e um homem.

“Como anunciaram o final, subiu muito o número de pessoas. Antes passavam de três a quatro por vez na ponte, mas depois chegou a 60, 70 pessoas. Sem manutenção adequada, deu nisso.”

Corretor imobiliári­o, ele ficou conhecido como “herói de Guaíra”. “Na hora a gente só quer saber de ajudar. Dominava bem a água.”

Um resquício do que havia no local foi visto por Aguazo em 2001, quando o país enfrentou racionamen­to de energia elétrica.

Com o baixo nível dos rios, foi possível ver as pedras que cercavam os saltos. COMPENSAÇíO Municípios que tiveram áreas submersas recebem royalties proporcion­almente à área atingida e à quantidade de energia gerada –14 cidades paranaense­s e Mundo Novo (MS) são beneficiad­as.

Guaíra deve receber neste ano, segundo o prefeito Heraldo Trento (DEM), cerca de R$ 14 milhões, para um Orçamento que deve chegar a R$ 95 milhões. O pagamento é alvo de dupla contestaçã­o da prefeitura, por ser temporário (previsto para mais cinco anos) e referente apenas à área alagada, não ao sumiço do atrativo turístico.

“Os municípios vão morrer se não houver renovação dos royalties. E fomos lesados por perdermos as Sete Quedas. Na rediscussã­o, talvez consigamos entrar nesse tema. Sofremos um baque econômico e psicológic­o. Arrancaram nosso motor, nossa alma”, disse o prefeito.

Atualmente, restaurant­es, bares e hotéis voltaram a ser vistos por ali, especialme­nte devido ao movimento do turismo de compras na paraguaia Salto del Guairá.

Sofremos um baque econômico e psicológic­o [com a inundação de Sete Quedas]. Arrancaram nosso motor, nossa alma

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1982/Folhapress Cabos que sustentava­m ponte do atrativo se romperam com excesso de peso, em 1982
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1982/Folhapress Fim do atrativo levou a baque econômico em Guaíra (PR)

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