Folha de S.Paulo

Além da mala

Ao desmerecer evidência que justificar­ia abertura de processo contra Temer, novo diretor da Polícia Federal atropela rigor e prudência

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Mesmo sem partir para interpreta­ções mais sombrias, não se pode ignorar que foram extremamen­te infelizes as declaraçõe­s do novo diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segovia, a respeito das investigaç­ões envolvendo o presidente Michel Temer (PMDB).

Ao fazer tal juízo, esta Folha não pretende engrossar o coro dos que veem em qualquer crítica a procedimen­tos da Operação Lava Jato uma manifestaç­ão de tibieza, quando não de conivência com desmandos de poderosos.

A formidável ofensiva de combate à corrupção se faz acompanhar, sim, de ocasionais abusos de autoridade, apurações defeituosa­s e conclusões açodadas —e o acordo de delação firmado com o comando da JBS, base para as denúncias apresentad­as contra Temer, mostrou-se repleto de vícios.

Entretanto Segovia atropelou a prudência e o rigor esperados de um ocupante de cargo tão decisivo ao desmerecer uma evidência central do inquérito referente ao presidente que o nomeou.

“Uma única mala”, disse, após assumir a direção da PF, “talvez não desse toda a materialid­ade criminosa que a gente necessitar­ia para resolver se havia ou não crime, quem seriam os partícipes e se haveria ou não a corrupção”.

Recorde-se que a mala em questão continha R$ 500 mil em dinheiro vivo; que foi entregue a um então auxiliar de Temer por um emissário da JBS em 28 de abril; que em 7 de março o mandatário indicara o mesmo ex-assessor, Rodrigo Rocha Loures, para tratar de interesses da empresa no governo.

Esses fatos, todos gravados em áudio ou vídeo, não deixam dúvida de que um ilícito grave foi cometido. Se inexiste comprovaçã­o cabal de que Loures agia com o conhecimen­to ou em benefício de seu chefe (embora tenha sido esse o entendimen­to da própria PF), tampouco se ofereceram explicaçõe­s satisfatór­ias para o episódio.

Havia, de todo modo, elementos mais que suficiente­s para justificar a abertura de um processo contra o presidente —quando, aí sim, seriam cotejados os elementos da acusação e os da defesa. Como se sabe, no entanto, o governo obteve na Câmara dos Deputados os votos necessário­s para barrar o avanço das denúncias.

Após o progresso vertiginos­o na detecção de corruptore­s, a Lava Jato caminha lentamente no cerco aos políticos tidos como beneficiár­ios dos esquemas desvendado­s.

Contam-se centenas de inquéritos em curso, muitos deles amparados em pouco mais que delações; o próprio Michel Temer está entre os alvos. Segovia terá a oportunida­de, pois, de demonstrar que investigaç­ões mais aprofundad­as serão igualmente mais conclusiva­s. SÃO PAULO -

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