Folha de S.Paulo

ANÁLISE Crise expõe papel dúbio da China no continente africano

- CHARLES CLOVER EMILY FENG DAVID PILLING

Quando o dirigente chinês, Xi Jinping, chegou a Harare para uma visita dois anos atrás, trocou um aperto de mãos que durou minutos com Robert Mugabe.

Pequim manteve seu apoio ao ditador do Zimbábue desde que o partido Zanu-PF de Mugabe pôs fim ao domínio da minoria branca em 1980, e ao longo de todo o período de sanções iniciado em 2002, quando o regime de Mugabe organizou a tomada violenta de terras que eram propriedad­e de brancos.

Agora, Mugabe está em prisão domiciliar em Harare, e o papel da China na África volta a ganhar destaque. O general Constantin­o Chiwenga, arquiteto da tomada de poder pelos militares na semana passada, esteve em Pequim dias antes de voltar para casa e ordenar que os soldados ocupassem as ruas.

Notícias sobre a viagem do general alimentara­m reportagen­s de que a China havia sido avisada com antecedênc­ia sobre a operação. Pequim descartou as especulaçõ­es.

A proximidad­e entre a China e Mugabe foi o que restou de uma era na qual o país asiático bancava movimentos revolucion­ários em muitas nações em desenvolvi­mento. Muitos veteranos da guerra de libertação do Zimbábue, entre os quais Emmerson Mnangagwa, vice-presidente deposto que é o mais provável substituto de Mugabe, foram treinados na China.

Mas já no momento em que Xi trocava aquele longo aperto de mãos com Mugabe, em dezembro de 2015, Pequim não se mostrava assim tão amistosa nos bastidores.

Diante de uma crise econômica renovada, e desprovido de acesso aos mercados financeiro­s internacio­nais, Mugabe pediu apoio a Xi, que recusou, dizendo ao interlocut­or que ele precisava criar um plano de sucessão confiável e restabelec­er a conexão entre seu país e o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacio­nal (FMI).

A aparente disposição da China de apostar em um novo cavalo, Mnangagwa, representa um contraste com crises anteriores na África, nas quais a China se manteve aferrada a ditadores amigos, como Muammar Gaddafi.

Mesmo que a China não tenha desempenha­do papel tão ativo por trás das cenas, a tomada de poder pelos militares zimbabuano­s representa um teste crucial.

Desde os anos 50, a China respeita os “cinco princípios de coexistênc­ia pacífica”, entre os quais o de não intervençã­o em outros países. Agora que o papel internacio­nal de Pequim cresce, autoridade­s chinesas descobrem que é difícil evitar envolvimen­to.

A China é o maior investidor e o maior parceiro comercial do Zimbábue, além de ter elos estreitos com membros da elite política do país.

“Se a China quer evitar que seus interesses sejam prejudicad­os, se ajustará ao fluxo de mudanças políticas”, diz Luke Patey, pesquisado­r sênior do Instituto Dinamarquê­s de Estudos Internacio­nais.

Outros ditadores africanos que contam com apoio da China, como Omar al-Bashir, do Sudão, devem estar atentos. “Será que os adversário­s deles conseguirã­o convencer a China a fingir que não vê enquanto eles são derrubados?”, indaga o estudioso.

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