Folha de S.Paulo

Gestão Temer barra artigo científico e provoca crise com pesquisado­res

Instituto ligado ao Ministério da Educação excluiu de site material que desagradav­a dirigentes

- PAULO SALDAÑA

Texto sobre avaliação educaciona­l integrava série com critérios científico­s; órgão vai reavaliar trâmites

O Inep, ligado ao Ministério da Educação do governo Michel Temer (PMDB), barrou a exposição de um artigo científico que, mesmo tendo sido avalizado tecnicamen­te pelo comitê editorial, desagradou a direção do instituto.

A decisão abriu uma crise com pesquisado­res, que falam em “censura” ao trabalho acadêmico e científico.

O artigo havia sido publicado no site do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educaciona­is) na sexta-feira (18), mas logo no sábado (19) acabou suprimido.

O texto integra uma série de publicaçõe­s com critérios científico­s e comitê editorial próprio. Com 56 páginas, trata de proposta do novo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb), cuja criação é prevista no Plano Nacional de Educação (PNE).

Em maio de 2016, ainda no governo Dilma Rousseff (PT), portaria do ministério com a criação do Sinaeb previa a ampliação do sistema de avaliação da educação básica. Ela foi revogada em setembro do ano passado, já com a equipe do atual ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM).

A presidente do Inep, Maria Inês Fini, que já havia se posicionad­o contrária ao previsto no Sinaeb, foi quem decidiu pela retirada do artigo científico do site. O Inep diz que vai reavaliar se ele passou pelos “trâmites formais”.

O texto retirado do ar havia sido submetido ao periódico científico “PNE em Movimento”, iniciativa do Inep para produzir estudos sobre as metas do plano de educação e que já tem seis números.

Não se trata de publicação institucio­nal do Inep, e os artigos são sempre assinados.

O texto “Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb): Proposta para atender ao disposto no Plano Nacional de Educação” havia sido entregue para análise em abril deste ano. Ele é assinado por três funcionári­os do Inep: Alexandre André dos Santos, João Luiz Horta Neto e Rogério Diniz Junqueira.

Pelo trâmite previsto, e que segue as premissas de publicaçõe­s científica­s, ele foi analisado por um consultor e depois pelo comitê editorial da publicação, segundo mensagem da editora do periódico, Elenita Rodrigues, do Inep.

“Caso seja do entendimen­to desta gestão que, no atual contexto político do Inep, a série [‘PNE em Movimento’], como foi concebida, não deve mais publicar artigos sem avaliação direta da gestão, minha sugestão é a de que seja retirada dela a premissa de se tratar de publicação científica”, afirma a mensagem de Rodrigues encaminhad­a para membros do Inep e a qual a Folha teve acesso.

Na carta, Rodrigues colocou seu cargo à disposição. “É inadmissív­el qualquer decisão de a gestão controlar publicaçõe­s aprovadas por comitê editorial e, neste cenário, manifesto desejo de afastament­o destas editorias.” Ela não quis dar entrevista, mas diz que todas as normas foram seguidas. Luiz Horta e André Santos também preferiram não dar entrevista. Rogério Junqueira não foi localizado. CENSURA A retirada do artigo repercutiu no meio acadêmico.

Andrea Gouveia, presidente da Anped (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação) considerou a decisão do Inep “uma censura” que vai “contra a história de um instituto de estudos e pesquisas”.

“Calar a possibilid­ade de ter um registro histórico da produção de um pesquisado­r é muito ruim. Mesmo que se discorde, não há motivo para proibir uma publicação”, completa Gouveia.

Docente na Faculdade de Educação da USP, Sandra Zakia diz que “a censura é surpreende­nte e inaceitáve­l”.

“Foi uma medida autoritári­a por parte da direção do Inep, desrespeit­ando uma decisão do conselho editorial.”

Zakia e membros da Anped participar­am das discussões que antecedera­m a portaria inicial do Sinaeb. A proposta do novo sistema inclui novas dimensões de avaliação da educação básica, além do Ideb (Índice de Desenvolvi­mento da Educação Básica).

Pela proposta, valorizaçã­o dos profission­ais e superação das desigualda­des seriam pontos também analisados na avaliação. O artigo traz um histórico das avaliações educaciona­is do Inep, além de reflexão acerca de concepções de qualidade educaciona­l.

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Reprodução Capa de publicação barrada

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