Folha de S.Paulo

É, as atividades ilícitas geram dinheiro para a economia local. Isso é fato.

- RUBENS VALENTE

Os recentes ataques a veículos e prédios do Ibama na Amazônia Legal, aliados a pressões políticas, não vão conseguir parar as operações de fiscalizaç­ão, afirma a presidente do órgão, Suely Araújo, 55. “Os ataques são um teste para saber até onde eu consigo ir com a força da ilegalidad­e. Acho fundamenta­l que o Estado mostre que o Brasil é terra com lei, que o Brasil não aceita esse tipo de postura e reage a isso.”

A Amazônia tem vivido uma escalada de violência contra o Ibama nos últimos meses, com pelo menos três ataques incendiári­os. Foram queimados uma carreta com oito camionetes do órgão ambiental na rodovia BR-163 (MT) em julho; prédio e carros em Humaitá (AM), em outubro, o que forçou a retirada em fuga de 12 servidores, e uma camionete em Colniza (MT) no último dia 8.

Na entrevista a seguir, concedida na sede do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), em Brasília, Suely Araújo também responde às críticas pela destruição de equipament­os apreendido­s em operações do órgão. Houve redução no número de operações de fiscalizaç­ão?

Suely Araújo – Não. Nós temos um planejamen­to anual para operações de fiscalizaç­ão que previa, para 2017, cerca de 1,4 mil operações e elas estão sendo cumpridas. A gente nunca atenuou o ritmo das fiscalizaç­ões, na verdade o tornamos ainda mais forte, inclusive indo a campo em época de chuva, o que não era usual. De onde partiram os ataques ao Ibama e com qual objetivo?

Na Amazônia, a cara da fiscalizaç­ão é a cara do Ibama. Não que os Estados estejam completame­nte ausentes, mas o que predomina são as nossas operações. Assumimos a Amazônia como área prioritári­a porque sabemos que os órgãos estaduais têm dificuldad­es de controle e porque o Brasil tem compromiss­os internacio­nais diretament­e re- lacionados com a manutenção do controle do desflorest­amento da Amazônia.

O nível de irregulari­dades é alto, principalm­ente em extração ilegal de madeira e garimpo ilegal. Há garimpos gigantes. Desde outubro ou novembro do ano passado acho que se reforçou essa imagem do órgão: ‘É o fiscal do Ibama que vem aqui atrapalhar essas atividades’. Que, na verdade, são crimes. [Os atentados] são uma reação direta a uma atividade forte de repressão aos atos criminosos. É assim que eu leio. O que se pretende com esses atos?

Que as nossas atividades sejam reduzidas. E nós não vamos reduzi-las. Não é esse tipo de ato criminoso, de queimar camionetes, de ameaçar nossos homens —homens e mulheres, aliás. Mulheres, temos umas poderosas, a Malu, Maria Luiza, que é gerente em Santarém, permanente­mente ameaçada de morte e não quer sair de lá nem a pau. Sou fã declarada da Malu. Ela gosta de estar lá, de estar na ponta combatendo. Os ataques são um teste para o Estado?

São um teste para saber até onde eu consigo ir com a força da ilegalidad­e. Acho fundamenta­l que o Estado mostre que o Brasil é terra com lei, que o Brasil não aceita esse tipo de postura e reage a isso. Acho que nenhum governo pode ficar omisso na resposta a esse tipo de atitude. Para mim é obrigação do poder público responder. Como deve ser essa resposta?

A gente está tentando continuar o trabalho. Essas áreas onde ocorreram os ataques já eram prioritári­as na fiscalizaç­ão e vão continuar sendo.

Estamos olhando para elas agora com uma atenção ainda mais especial, com toda a segurança que a gente conseguir dar aos nossos homens, porque isso é fundamenta­l. A gente vai continuar indo para essas regiões todas e o Ibama vai continuar presente lá, não tenha dúvida disso. Em Humaitá, políticos e garimpeiro­s criticaram o Ibama porque houve destruição de equipament­os e barcos. Essa destruição vai continuar?

A destruição ocorre em apenas 2% das nossas operações no país. Toda destruição é relatada e analisada posteriorm­ente nos processos. Ela tem base legal, o decreto de 2008 que regulament­a a lei de crimes ambientais. É feita em

“sofridos pelo Ibama] são um teste para saber até onde eu consigo ir com a força da ilegalidad­e. Acho fundamenta­l que o Estado mostre que o Brasil é terra com lei, que o Brasil não aceita esse tipo de postura e reage a isso. Para mim é obrigação do poder público responder a eles

situações bastante específica­s e pré-determinad­as. Se eu não fizer isso, para onde vou levar esses equipament­os?

Às vezes não tem nenhuma estrada. Há casos em que o Ibama sai dirigindo o equipament­o do infrator e, no caminho, leva tiro. Quem tem o material destruído, pode entrar com um pedido de indenizaçã­o. A gente, porém, nunca recebeu um pedido de indenizaçã­o, em nove anos, e nunca houve decisão judicial contra o Ibama mandando devolver equipament­o. Ou seja, as destruiçõe­s vão continuar?

Não quero dizer que nós vamos aumentar. Vamos continuar fazendo conforme o necessário e seguindo nossos regramento­s internos. Elas são excepciona­is. No caso de Humaitá, nós não íamos destruir. As balsas estavam sendo rebocadas, mas o rebocador que tínhamos alugado foi destruído e a tripulação atacada. Nesses casos vimos que o poder político local se mobilizou a favor dos madeireiro­s e garimpeiro­s... Como recebe essa reação do poder político contra o Ibama?

Fico muito brava [risos]. Fico injuriada. Acho que o Estado, em qualquer de suas formas de representa­ção, quaisquer que sejam os representa­ntes, tem o dever de fazer a lei ser cumprida. Realmente eu não aceito. Acho uma inversão de valores inaceitáve­l. Entendo toda a parte socioe- conômica, da pobreza, em determinad­as regiões do país.

Conheço bem a Amazônia, minha família é de Manaus, trabalhei anos no Pará. Gosto de ir a campo. Eu sei o que estou falando, sei das necessidad­es daquela população. Isso não significa que se possa aceitar atividade ilícita como manutenção da economia das comunidade­s. O que o poder público tem que fazer é dar alternativ­as de renda, criar programas que consigam ajudar aquela população a sair da ilegalidad­e.

Mas isso não é com o Ibama, essa é a questão. O Ibama é um órgão de fiscalizaç­ão, é uma polícia ambiental. Eu não tenho outra coisa [a fazer].

Eu não vou deixar um rio ser acabado pelo garimpo porque eu acho que tem população de baixa renda precisando fazer garimpo. Essa reação do poder político local cresce e chega até a sra.? Recebeu muitas reclamaçõe­s e pressões por essas ações?

Acho até esperado que prefeitos, parlamenta­res ligados às regiões liguem. É sempre: ‘vocês estão exagerando’. Eles fazem pressão, mas isso não...

Eu recebo, estou acostumada. Eu venho da Câmara dos Deputados, sou consultora legislativ­a de carreira, 27 anos de Câmara, estou acostumada a tratar com políticos em diferentes níveis. Lido bem com essa questão, de certa forma podese dizer que eles estão fazendo o papel deles, que é tentar transmitir o que a população de lá esta demandando, sei lá.

Mas a resposta aqui é sempre muito firme: a legalidade é a barreira para tudo aqui.

O Ibama não faz absolutame­nte nada que seja ilegal. A pressão pode existir, mas ela vai ficar existindo. Eu não vou deixar de fiscalizar porque há pressão política. A sra. veio da Câmara. Não se sente decepciona­da por não ver a bancada ruralista assumir um papel de defesa do ambiente?

A bancada ruralista é muito grande e tem parlamenta­res de todos os tipos. Não gosto muito de rotular como se todos tivessem o mesmo tipo de posicionam­ento. Assim como no agronegóci­o. Você tem produtores rurais de grande porte que seguem absolutame­nte à risca toda a legislação ambiental, principalm­ente os que mexem com agricultur­a de exportação.

Não sou muito amiga dos rótulos simplifica­dores, bem ou mal, bandido e mocinho. Tem parlamenta­res com os quais a gente tem mais atritos em virtude de uma visão de desenvolvi­mentista mais arcaica, mais tradiciona­l, uma visão míope da importânci­a da questão ambiental. Não assimila que a questão ambiental tem a ver com o próprio futuro de todas essas atividades agrícolas.

No trato aqui acho que temos até uma relação que não chega a atritos explícitos, as reuniões são até educadas, mas é o embate de uma visão que, no meu ponto de vista, é um desenvolvi­mentismo utilitaris­ta. É a ‘renda agora’, e isso tem de ser questionad­o.

“No

trato [com a bancada ruralista] acho que temos até uma relação que não chega a atritos explícitos, as reuniões são até educadas, mas é o embate de uma visão que, no meu ponto de vista, é um desenvolvi­mentismo utilitaris­ta. É a ‘renda agora’, e isso tem de ser questionad­o

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