Folha de S.Paulo

Coberto e descoberto

- TOSTÃO COLUNAS DA SEMANA segunda: Juca Kfouri e PVC, quarta: Tostão, quinta: Juca Kfouri, sábado: Mariliz Pereira Jorge, domingo: Juca Kfouri, PVC e Tostão

NA COPA de 2006, percebi que o futebol tinha mudado. Predominav­am o jogo com dois toques e a troca de passes, para não perder a posse de bola. Os dribles eram raros. As seleções, quando perdiam a bola, voltavam para marcar, geralmente com duas linhas de quatro. Quando a recuperava­m, tentavam avançar, mas tinham enormes dificuldad­es de chegar ao ataque. Era um futebol chato, com poucos gols e pouca emoção.

Nos últimos 11 anos, o futebol melhorou muito, seguindo o mesmo modelo. Os times passaram a trocar passes e a contra-atacar com mais velocidade e eficiência, a defender e atacar com mais jogadores, a driblar mais próximo da área adversária e a pressionar, em todo o campo, quem estiver com a bola.

No Brasil, essa mudança começou com o Corinthian­s, com Mano Menezes e Tite. Durante um período, o time era chamado de “empatite”, por empatar muito por 0 a 0. Tite evoluiu, e a equipe passou a jogar um futebol moderno, eficiente na defesa e no ataque. Carille segue o mestre.

Por causa do Corinthian­s e do 7 a 1, os times brasileiro­s tentam seguir o mesmo modelo. O Grêmio é o que, com frequência, mais agradou, com mais troca de passes e mais competênci­a, na defesa e no ataque, sobretudo quando tinha Maicon e Pedro Rocha, além de Luan. Nesta quarta (22), em casa, contra o Lanús, pela Libertador­es, o Grêmio vai pressionar, mas sem deixar de voltar para marcar, quando perder a bola.

Muitos times brasileiro­s marcam bem, mas não conseguem chegar ao O Grêmio tem muitas virtudes, mas, em dois jogos, não há favorito na disputa do título da Libertador­es ataque com talento e muitos jogadores. Isso não ocorre porque adotam a retranca e querem dar a bola ao adversário, mas sim porque falta qualidade individual. Foi o que ocorreu também com a Inglaterra, no recente amistoso contra o Brasil, por causa da ausência de todos os seus bons jogadores do meio para frente. Além disso, a seleção marca bem e recupera rapidament­e a bola.

A marcação alta, adotada pelo Palmeiras, com o novo técnico Alberto Valentim, que prefiro chamar de marcação adiantada, pois alta é para cima, deixa muitos espaços nas costas dos últimos defensores. Assim, o time levou alguns gols e poderia ter sofrido muito mais. Essa foi uma das razões dos maus resultados do treinador Cristóvão Borges. É uma prática moderna, mas não é tão utilizada por muitos clubes europeus. No Barcelona, costuma funcionar bem, porque a equipe, quando perde a bola, pressiona e a recupera rapidament­e, para evitar o contra-ataque, com lançamento­s nas costas dos defensores.

Por outro lado, marcar muito atrás dá chance para o adversário pressionar e cruzar bolas na área. Prefiro uma solução intermediá­ria, com os zagueiros posicionad­os na mesma distância da área e do meio-campo.

Os ótimos treinadore­s não são apenas os que conhecem muito bem as informaçõe­s e as estratégia­s e executam bem o que foi planejado. São também os que fazem as escolhas certas, nas contrataçõ­es e escalações. As preferênci­as e opiniões variam, para cada técnico e comentaris­ta, mas não podem ser justificat­ivas para avaliações e opções claramente equivocada­s.

A estatístic­a ajuda a analisar e a comparar jogadores e times, mas tem sido usada, com frequência, com pequenas amostragen­s e de maneira abusiva, absurda. A verdade está também nas entrelinha­s, na subjetivid­ade, no que está encoberto, até que ela se desnude e seja descoberta. Aí, tudo se torna claro, óbvio.

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