Moda não perdeu magia, mas parte da criatividade
TESOURA DA ‘POP ART’ PREPARA NOVA MARCA E CRITICA SUPERFICIALIDADE DAS REDES SOCIAIS
FOLHA
Na paisagem de tons saturados das redes sociais, a regra é mostrar o quão pop você pode ser. Nos anos 1970 e 1980, quando o pop era mais que um autorretrato no espelho e artistas como Andy Warhol, Basquiat e Mapplethorpe esculpiam a nova contracultura americana, Jean-Charles de Castelbajac, 67, desenhou o traje desse tempo alinhado aos amigos famosos das artes visuais.
Ao mesmo tempo em que critica a superficialidade das redes sociais, “novos vírus” da cultura, e a superficialidade do pop atual, sua história é, ironicamente, vinculada ao consumo de massa e aos ícones dessa nova juventude.
“Vivemos a cultura das imagens. Recebemos tsunamis delas e queremos fazer parte, mas com filtros, deformações e aplicações. Queremos ser únicos, mas esquecemos o senso de autenticidade.”
Seus desenhos personalizam exposições e projetos arquitetônicos, como o de um afresco no aeroporto de Orly, em Paris, e, o mais recente, a decoração de natal do shopping Cidade Jardim, em São Paulo, que motiva sua visita ao país na segunda-feira (27).
Braço mais gráfico da vanguarda francesa e do mesmo nível dos estilistas Jean-Paul Gaultier e Thierry Mugler, o franco-marroquino tirou o pop das galerias para colocálo em corpos tão opostos quanto o da cantora Lady Gaga, no clipe “Telephone”, e o do papa João Paulo 2º (19202005), no Dia Mundial da Juventude de 1997.
Convidado pelo Vaticano, ele fez 500 bispos e 5.000 padres usarem batinas customizadas com listras coloridas, as mesmas que adornam a bandeira do movimento gay.
O estilista admitiu o significado político daquelas cores, mas como “não há direito autoral sobre o arco-íris”, segundo o então papa disse ao designer, se tornou o criador de uma das imagens mais políticas que a moda já produziu.
Os planos espiritual e mundano rondam a obra desse ícone da “pop art”, cuja estética é crítica à cultura do consumo e antônimo do pop atual, que, segundo ele diz à Folha, serve como “ferramenta de marketing, bela e sedutora, mas sem o conteúdo de uma Hello Kitty, a concha sem alma” criada em 1974 pela ilustradora japonesa Yuko Shimizu.
Castelbajac traça um paralelo entre a arte e o consumo em seus trabalhos e se considera “um artista que tem a moda como só mais uma ferramenta de expressão”.
Após se envolver em projetos de coleções para grifes independentes Y Project e EachXOther —“porque a moda genuína é rara e precisa ser alimentada”—, ele diz, sem dar detalhes, preparar para 2018 o lançamentodeumamarcaprópria.
“O tempo do renascimento chegou. É um ótimo momento para criar moda para o futuro. Estou pronto e mal posso esperar por isso.” VERTIGEM VAZIA O designer afirma que a fórmula do reconhecimento instantâneo, os 15 minutos de fama que Andy Warhol previu que todos teriam um dia, se traduz como espécie de “vertigem vazia” na cultura. “Inspira-se na autenticidade, mas dentro de um mundo karaokê [de imitação], que usa Instagram e Facebook como um vírus.”
Foi essa cacofonia que acometeu a moda e afastou do prêt-à-porter (pronto para vestir) boa parte dos estilistas que chacoalharam a indústria, a exemplo de Claude Montana e Thierry Mugler.
“Nunca deixei de lado meu amor pela moda, ela é a maior arma de esperança. Ao contrário dos meus amigos designers, não acho que ela tenha perdido a magia, ela apenas perdeu parte da criatividade.”
Para ele, a perda está relacionada à cultura de hiper-exposição de uma juventude ansiosa em estado de negação.
“Os jovens estão enfrentando novos medos. Socialmente, eles têm de lidar com a ideia de que suas vidas serão guiadas pela instabilidade, que durante toda a vida terão cinco ou seis empregos diferentes. Isso criou uma filosofia diária de ‘carpe diem’ [aproveite o dia, em latim] como modo de sobreviver.”
E é nesse ponto que a obra de Castelbajac, cheia de referências à relação do homem com suas carências afetivas, acerta o ponteiro cronológico para o presente. (PEDRO DINIZ)