Folha de S.Paulo

Estado da desigualda­de

Estudo realizado pelo Banco Mundial destaca distorções e ineficiênc­ias do gasto público no Brasil, que precisam ser corrigidas

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Foi oportuna a divulgação, na terça-feira (21), de estudo do Banco Mundial a respeito da eficiência e da equidade do gasto público no Brasil —ou, mais precisamen­te, da escassez de ambas.

Apresentam-se às claras conclusões que, no mais das vezes, acabam encobertas por mistificaç­ões do debate político. Ademais, o trabalho atende a encomenda de Joaquim Levy, ex-ministro da Fazenda do governo Dilma Rousseff (PT), o que permite recordar que as preocupaçõ­es reformista­s antecedem o impeachmen­t da ex-presidente.

Em suma, aponta-se que o setor público brasileiro gasta muito e gasta mal. Se tal diagnóstic­o não prima pela originalid­ade, a descrição do quadro tem os méritos do didatismo e da amplitude.

Da arrecadaçã­o de impostos ao destino dos gastos, o Orçamento contribui para perpetuar a já extrema desigualda­de socioeconô­mica —enquanto o gigantismo estatal costuma ser justificad­o pela necessidad­e de reduzir a distância entre ricos e pobres.

No caso da Previdênci­a, principal item da despesa, a distorção é evidente. Cerca de 35% dos subsídios (a diferença entre contribuiç­ões e benefícios) se direcionam aos 20% mais abonados.

Especialme­nte assimétric­as se mostram as regras de aposentado­ria dos servidores públicos, em sua maioria pertencent­es aos estratos de renda mais alta —e que recebem, do restante da população, uma transferên­cia estimada em 2% do Produto Interno Bruto.

Mudanças em tais normas e maior tributação dos benefícios mais elevados, sobretudo no Legislativ­o e no Judiciário, estão entre as medidas recomendad­as.

Também se destacam os salários da máquina pública: no funcionali­smo federal, eles superam em 67% os do setor privado, em média, mesmo depois de considerad­os nível educaciona­l, idade e experiênci­a. É a maior discrepânc­ia numa amostra de 53 países.

O Banco Mundial estima que a redução desse diferencia­l à metade (o que seria possível com congelamen­to de salários mais altos nos próximos anos, entre outas medidas) pouparia o equivalent­e a 0,9% do PIB, quase a metade do ganho esperado com a reforma da Previdênci­a em dez anos.

O texto traz ainda sugestões para redirecion­ar a carga tributária de forma que se transfira ônus maior aos mais ricos, uma ideia negligenci­ada no Brasil.

Redefinir com convicção a ação do Estado para reduzir a desigualda­de e, ao mesmo tempo, recuperar o equilíbrio orçamentár­io demandam reformas de grande alcance. Como fazê-lo é o desafio político fundamenta­l que precisará ser vencido nos próximos anos.

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