Folha de S.Paulo

Diplomacia x engenharia

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SÃO PAULO - O português António Guterres aponta os pratos de porcelana chinesa e diz ao jornalista: “Sinto muitíssimo. A comida está ruim. Muito ruim.” De quando em quando, um secretário-geral da ONU deixa a insignific­ância do cargo para passar um pouco de vergonha por aí. Agora foi a vez de Guterres.

A cena acima, descrita pelo jornal britânico “Financial Times”, ocorreu em uma sala privada na sede das Nações Unidas, em Nova York. Ex-premiê socialista de Portugal, o diplomata trabalha nessa estrutura bancada por cidadãos do mundo todo.

Verba que vem de muitos países pobres e financia a vida de burocratas no Upper East Side de Manhattan para de tudo comer e beber e nada resolver na ONU —além de acumular milhões de dólares em multas de trânsito não pagas à cidade de Nova York, um dos mais cruéis acintes da imunidade diplomátic­a.

Enquanto Guterres reclamava da salada e do peixe que lhe eram servidos, um dos braços da sua entidade reunia um exército de 11 mil funcionári­os públicos por quase duas semanas em Bonn, na Alemanha, obviamente às expensas de todas as Viúvas do mundo, para mais uma vez condenar o planeta a derreter após nova rodada de inação em uma Conferênci­a do Clima.

Desse mato não sai cachorro nem solução. Está certo o economista americano Jeffrey Sachs quando diz, em entrevista à Folha, que a responsabi­lidade de resolver o futuro do planeta precisa passar das mãos dos diplomatas para as dos engenheiro­s.

“São os engenheiro­s que fazem coisas, tecnologia­s, ferramenta­s”, diz Sachs. “Frequentem­ente os engenheiro­s são contratado­s para desenvolve­r coisas que dão lucro, mas não têm sido contratado­s para fazer coisas para o bem comum. Se eles vão trabalhar para o bem público, quem vai pagá-los?”, pergunta.

Talvez Guterres, ele próprio engenheiro de formação, saiba em que pratinho está sobrando dinheiro. roberto.dias@grupofolha.com.br

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