Folha de S.Paulo

Enquanto se dorme

- JANIO DE FREITAS

SUBORNÁVEI­S E subornador­es sintam-se avisados: além de dinheiro sujo em “uma única mala” não provar crime, a Polícia Federal enfim enturmada com Michel Temer traz outra colaboraçã­o, pela voz autorizada do seu novo diretor, Fernando Segovia. De agora em diante e não necessaria­mente por incluir mala, ter a posse, como portador ou como depositári­o, de dinheiro com procedênci­a e finalidade ilegais não sugere à PF haver corrupção. Apesar de parecerem restritas à PF, são decisões componente­s de demonstraç­ões de que Temer alcança o seu governo ideal.

As negociaçõe­s para troca de ministros visam aperfeiçoa­r a identifica­ção entre o ministério e seu chefe. Carlos Marun na articulaçã­o política, agindo dentro da Presidênci­a, com cargos de todos calibres e verbas de todos milhões para negócios em seu balcão, pode ser uma escolha quase perfeita. Trata-se de um dos braços direitos de Eduardo Cunha mais colados ao então deputado. Defini-lo com alguma precisão é tarefa só possível para Sergio Moro, que pode dizer e fazer o que queira sem risco algum, no Brasil de hoje. O atual articulado­r político, Antonio Imbassahy, nem ao menos está pendurado na Lava Jato. Marun pode olhar Temer, Moreira, Padilha, Jucá e outros no mesmo nível.

A indicação de Marun confirma, também, a reviravolt­a nas relações entre Temer e Eduardo Cunha, aqui mesmo notada quando o prisioneir­o passou, há pouco, da longa ameaça de expor fatos sobre Temer para a repentina proteção ao velho companheir­o. Aí tem coisa, se observado que, na altura da escolha de Segovia, Eduardo Cunha rejeitava, até com rispidez, a hipótese de delação premiada: “Nem pensar!”.

Outra reaproxima­ção contribuiu para mais aperfeiçoa­mentos do governo. Rodrigo Maia, que cumpria com retidão o papel de presidente da Câmara, em respeito à Constituiç­ão e ao regimento, e em relação objetiva com o Planalto e com os partidos, passa a agir como integrante do governo. Pior, como componente do círculo de Temer, pondo-lhe a presidênci­a da Câmara a seu serviço.

Já com as novas caracterís­ticas, Maia é um dos indicadore­s do deputado Alexandre Baldy para o Ministério das Cidades. Uma figura, como os repórteres Ranier Bragon e Letícia Casado têm exposto na Folha, com vínculos muito apropriado­s para incorporar-se ao grupo de Temer.

Se essas mudanças trazem melhoria ao dispositiv­o de vale-tudo político, a substituiç­ão na Polícia Federal cuida dos problemas ainda complicado­s de Temer na área policial-judicial. Não só do seu caso, ainda pendente de um inquérito e sujeito a delatores problemáti­cos, mas do seu círculo palaciano.

Bom pagador, Fernando Segovia quitou-se literalmen­te à vista com Temer. O que disse foi suficiente para um esboço pessoal. Há mais, porém, na presença de Temer para prestigiar Segovia em sua posse. Temer só teria tal atitude se dotado de certezas sobre as disposiçõe­s, manifestad­as ou aceitas, do delegado em assuntos do seu interesse como pessoa e como político. Esse interesse tem mais faces do que as já conhecidas, mas, ainda assim, seu maior alvo é esse mesmo que logo nos ocorre.

Ministros do Supremo Tribunal Federal, procurador­es imparciais da República, delegados da PF isentos —eles que se preparem. Porque o restante do país está dormindo.

As negociaçõe­s para troca de ministros visam aperfeiçoa­r a identifica­ção entre o ministério e seu chefe

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