Folha de S.Paulo

DIREITO PÓS-LAVA JATO Ajuda exterior inédita trouxe rapidez e riscos à Lava Jato

Operação teve o maior intercâmbi­o de provas da história das investigaç­ões

- FLÁVIO FERREIRA

Fluxo de dados também gerou tentativas de anulação; defesas relatam violações de direitos de acusados

A rápida cooperação de autoridade­s do exterior na entrega de provas potenciali­zou as apurações da Operação Lava Jato, principalm­ente ao confirmar o teor de delações premiadas, mas também trouxe riscos de anulações que geraram grande preocupaçã­o entre os titulares do caso.

A Lava Jato promoveu o maior fluxo internacio­nal de informaçõe­s da história das investigaç­ões brasileira­s apostando na redução da burocracia que marcava as relações com autoridade­s estrangeir­as.

Advogados de réus, porém, afirmam que essa orientação de trabalho muitas vezes levou a violações de garantias individuai­s de suspeitos, como os direitos de acesso ao teor das apurações e de preservaçã­o do sigilo de dados pessoais, fiscais e bancários.

As defesas de acusados chegaram a indicar em juízo essas supostas irregulari­dades nas cooperaçõe­s, com o objetivo de repetir o roteiro de outras grandes operações anuladas com base em argumentos técnicos ou processuai­s, mas não tiveram sucesso.

A colaboraçã­o jurídica internacio­nal foi fundamenta­l logo no início da Lava Jato. Em novembro de 2014, seis meses após a deflagraçã­o da operação, procurador­es da força-tarefa do caso foram à Suíça em busca de provas.

A principal meta àquela altura era obter elementos para corroborar fatos indicados pelo ex-diretor de Abastecime­nto da Petrobras, Paulo Roberto Costa, em seu acordo de delação premiada.

Segundo o procurador da República Orlando Martello, à época o Ministério Público da Suíça já tinha iniciado apurações próprias sobre suspeitos na Lava Jato com base em monitorame­nto do noticiário internacio­nal e em contatos feitos pela Procurador­ia brasileira.

Martello afirma que essa situação se repetiu em outros países e foi um dos fatores do sucesso das colaboraçõ­es estrangeir­as. Como abriram investigaç­ões próprias, autoridade­s do exterior realizaram rastreamen­tos que foram úteis à força-tarefa no Brasil.

O procurador relata que essa foi uma postura inédita das autoridade­s da Suíça.

“Eles evoluíram a investigaç­ão porque se sentiram responsáve­is pelo fato de o sistema financeiro deles ter sido usado para lavagem de dinheiro de corrupção”, diz.

De acordo com Martello, as trocas de informaçõe­s de inteligênc­ia diretament­e com colegas do exterior, sem formalismo­s, também agiliza- Jato” detalha o impacto da operação na área jurídica. Entre os temas abordados estão as medidas cautelares, os desafios para o STF e o papel das delações. Os textos já publicados estão em folha.uol.com.br/especial/ 2017/direito-pos-lava-jato. ram os trabalhos.

O delegado da Polícia Federal Ricardo Saadi chefiou a área de intercâmbi­o do Ministério da Justiça nos primeiros anos da Lava Jato e ressalta que “as cooperaçõe­s permitiram obter os documentos que deram suporte às delações premiadas”.

“Não podíamos confiar apenas nas palavras dos delatores”, afirma.

Dentre as inúmeras situações nas quais as cooperaçõe­s foram cruciais, os investigad­ores destacam aquelas que levaram a provas de operações financeira­s internacio­nais atribuídas ao ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. RISCOS DE ANULAÇÃO havia anulado totalmente a Operação Castelo de Areia, que também investigou empreiteir­as, com base em uma questão técnica.

Na Castelo de Areia, o STJ entendeu que os grampos do caso eram ilegais pois tinham sido autorizado­s com base apenas em uma denúncia anônima, o que levou à anulação de todas as apurações.

Porém, na Lava Jato o tribunal não acolheu a tese das defesas e, a exemplo de outras situações de contestaçã­o de procedimen­tos, as provas continuara­m válidas. VIOLAÇÃO DE DIREITOS Advogados que atuam no caso, todavia, apontam que direitos estão sendo violados.

O defensor da Odebrecht e professor de direito constituci­onal da PUC-SP Pedro Estevam Serrano diz que as cooperaçõe­s internacio­nais “mimetizam o que há de positivo e negativo nas recentes operações policiais no país”.

“De um lado, há um combate à corrupção mais eficaz, mas por outro muitas vezes não são observados procedimen­tos para garantir, por exemplo, o sigilo de informaçõe­s fiscais e bancárias de investigad­os obtidas no exterior”, afirma.

Segundo Serrano, há um fenômeno mundial de agressões aos direitos individuai­s por forças policiais em nome da luta contra os corruptos.

O advogado também critica aspectos da troca direta de informaçõe­s entre investigad­ores de países diferentes.

“Quando se fala em investigaç­ões mais livres, mais informais, sem a participaç­ão das defesas dos investigad­os, estamos diante de um potencial poder selvagem, um poder sem controle normativo”, diz o defensor. 201 são pedidos feitos pela forçataref­a a autoridade­s de 41 países 31 países pediram informaçõe­s ou a adoção de medidas ao Brasil, por meio de 139 solicitaçõ­es OS PASSOS DA COOPERAÇÃO JURÍDICA NA LAVA JATO A SCI faz a tradução e a preparação final dos 2 pedidos e os envia para o DRCI (Departamen­to de Recuperaçã­o de Ativos e Cooperação Jurídica Internacio­nal) do Ministério da Justiça

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