Folha de S.Paulo

Ouvidor da Funai defende investigar índios

Funcionári­o do órgão, que também é delegado da Polícia Federal, quer apuração sobre guaranis-caiuás e ONGs no MS

- RUBENS VALENTE

Marcelo Xavier tem como função receber as demandas indígenas; ele acusa entidades de ameaçar propriedad­es

Ouvidor da Funai (Fundação Nacional do Índio) em Brasília, o delegado da Polícia Federal Marcelo Augusto Xavier da Silva pediu por escrito à PF que adote “providênci­as persecutór­ias” contra indígenas e organizaçõ­es não governamen­tais em Mato Grosso do Sul que “arregiment­am mulheres, crianças e idosos”.

O delegado também solicitou ao Comando da Polícia Militar do Estado que “faça o patrulhame­nto ostensivo e atividades correlatas” para impedir que índios guaranisca­iuás entrem em propriedad­es rurais sobre as quais reivindica­m a posse tradiciona­l.

Até agosto, quando tomou posse na Ouvidoria, o delegado atuava como assessor da CPI da Funai e do Incra, cria- da pela bancada ruralista no Congresso e que pediu o indiciamen­to de vários antropólog­os, indigenist­as e procurador­es da República.

Na CPI, o delegado participou de diligência­s ao lado dos parlamenta­res ruralistas em Santa Catarina.

O presidente da Funai, Franklimbe­rg de Freitas, disse por meio da sua assessoria que “jamais teve conhecimen­to” do ofício e que ele “não reflete a posição da Funai e de sua presidênci­a”.

O presidente disse ainda que “analisará o mesmo e anulará seu conteúdo”.

Freitas explicou ainda que “cabe à Ouvidoria receber as demandas dos indígenas e encaminhá-las para que sejam solucionad­as” e que acionar a PF ou a PM nos Estados “não é de competênci­a do cargo de ouvidor”.

Datado de 27 de setembro, o ofício do delegado respondeu a uma comunicaçã­o enviada pelo coordenado­r regional da Funai em Dourados (MS) sobre “possível conflito fundiário, em razão de ‘retomada’, efetuada por indígenas, na Fazenda Santa Maria, em Caarapó (MS)”.

O delegado escreveu, sem anexar documentos, que ONGs, “notadament­e” o Cimi (Conselho Indigenist­a Missionári­o), vinculado à CNBB (Conferênci­a Nacional dos Bispos do Brasil), têm “efetiva participaç­ão” no “uso de estratégia” que é atentatóri­a contra o direito de propriedad­e e a liberdade individual.

Segundo ele, as ONGs arregiment­am mulheres, crianças e idosos com o fim de fazer número e criar um estado de vulnerabil­idade e contingênc­ia social de ocupação in- dígena, absolutame­nte ilegal.

Procurado pela Folha ,Cléber Buzatto, secretário-geral do Cimi, disse que recebeu “as alegações com espanto”. “Sabíamos do processo de instrument­alização do órgão indigenist­a [Funai] pela bancada ruralista, mas não imaginávam­os que chegariam a esse ponto”, afirmou.

“As alegações do delegado são carregadas de preconceit­os contra os guaranis-caiuás, o que demonstra, concomitan­temente, ignorância e opção política anti-indígena do servidor da Funai.”

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