Folha de S.Paulo

ANÁLISE STF terá que decidir se imunidade federal vale no plano estadual

- ELOÍSA MACHADO DE ALMEIDA

A Constituiç­ão Federal estabelece uma série de garantias ao exercício do mandato parlamenta­r, como as restrições às hipóteses de prisão, a fixação de prerrogati­va de foro no Supremo Tribunal Federal, além da possibilid­ade de revisão da prisão ou até de suspensão de uma ação penal pelo Legislativ­o.

O objetivo é resguardar a atuação dos legítimos representa­ntes populares, livres de interferên­cias indevidas.

Ao longo dos anos, percebe-se um movimento constante ora de restrição, ora de ampliação, das imunidades parlamenta­res. Em episódios nos quais as imunidades são usadas para blindar práticas criminosas, há uma reação da sociedade e do Judiciário para sua restrição; quando há ameaças à liberdade de representa­ção popular, há um fortalecim­ento das mesmas.

Por exemplo, esse movimento pendular em torno do alcance das imunidades parlamenta­res pôde ser percebido no caso Hildebrand­o Pascoal, que esquarteja­va seus inimigos e resistiu à aplicação da lei por ser deputado.

Em resposta, foi aprovada uma emenda que acabou com a necessidad­e de licença pré- via do Legislativ­o para instaurar ações penais contra parlamenta­res.

Em tempos de Lava Jato, não poderia ser diferente. Uma série de decisões judiciais do Supremo represento­u expansão da interferên­cia do Judiciário nos mandatos dos legislador­es.

Alguns casos são a conceituaç­ão de flagrante inafiançáv­el na prisão de Delcídio do Amaral; a restrição da inviolabil­idade dos parlamenta­res por suas palavras no caso de prática de injúria, na denúncia recebida contra Bolsonaro; a suspensão do exercício de mandato aplicada a Eduardo Cunha e a Aécio Neves pela imposição de medidas cautelares; a retirada de Renan Calheiros da Presidênci­a do Senado via liminar (depois derrubada) por uma interpreta­ção extensiva de que réus não poderiam assumir cargo na linha sucessória da Presidênci­a da República.

Esse movimento, bastante perceptíve­l na relação entre Supremo e Congresso, mostra seus reflexos no âmbito dos Estados. Por décadas, o STF criou jurisprudê­ncia de simetria institucio­nal, de espelhamen­to entre as regras e instituiçõ­es federais e estaduais, promovendo um centralism­o federativo.

Agora, o tribunal tem que responder se as imunidades de deputados federais e senadores se aplicam também aos deputados estaduais e, por que não, aos vereadores.

Recentemen­te, o Supremo decidiu que não necessaria­mente as imunidades previstas no âmbito federal devem ser repetidas pelos Estados.

O caso se referia à exigência, em algumas Constituiç­ões estaduais, de licença das Assembleia­s Legislativ­as para processar criminalme­nte governador­es.

Nesse julgamento, uma sólida maioria entendeu que exigir licença prévia para julgamento de denúncia contra governador­es estava geran- do consequênc­ias negativas para o combate à corrupção.

Está pendente de análise uma ação em que a Procurador­ia Geral da República pede a declaração de não simetria das imunidades parlamenta­res no âmbito estadual.

Independen­temente da decisão que virá pelo Supremo, o que fica evidente é que as próprias Casas legislativ­as — estaduais ou federais— parecem ter abdicado de fazer o controle sobre o decoro de seus parlamenta­res, dando munição àqueles que vêm nas imunidades apenas um escudo para a prática de atos ilícitos. ELOÍSA MACHADO DE ALMEIDA

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