Folha de S.Paulo

Discreto, Mnangagwa tem mão firme e histórico nas sombras

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DA REUTERS

Enquanto Emmerson Mnangagwa espera para subir ao poder no Zimbábue, surgem dúvidas sobre como ele governará o país comandado por Robert Mugabe desde a independên­cia, em 1980.

Mnangagwa, 75, afirmou terça (21) que os zimbabuano­s precisam reconstrui­r sua economia e uma sociedade profundame­nte polarizada.

“Quero unir todos em uma nova era em que não se tolere corrupção, incompetên­cia, descumprim­ento do dever, indolência e decadência social”, disse. “Esta não é uma tarefa só para o Zanu-PF [partido do governo], mas para todo o povo do Zimbábue.”

Tendo estado ao lado de Mugabe na prisão, na guerra e no governo, Mnangagwa era um dos homens de confiança do ditador. Alçado a vice-presidente em 2014, parecia bem cotado a sucedê-lo.

“Não há dúvida sobre suas credenciai­s para liderar e manter a estabilida­de, e sim sobre sua propensão à democracia”, diz Eldred Masunungur­e, cientista político da Universida­de do Zimbábue.

Ao longo do caminho, Mnangagwa (lê-se “Munangágua) ganhou o apelido de “crocodilo”, um animal tão discreto quanto implacável.

Ele apoiou o nacionalis­mo econômico e a campanha de Mugabe que forçou empresas estrangeir­as a venderem seu controle no país a zimbabuano­s negros. Em 2014, anunciou a alteração do estatuto do Zanu-PF para dar ao Estado propriedad­e e controle dos recursos naturais do país.

“Ele sabe que sua imagem é de linha dura, mas sua personalid­ade é complexa: um cara agradável, ótimo contador de casos”, disse um legislador próximo a Mnangagwa.

Desde a independên­cia, ocupou os ministério­s de Segurança, Defesa e Finanças e a liderança do Legislativ­o.

Foi quando ele chefiava a segurança interna, nos anos 80, que Mugabe usou uma brigada de elite contra rebeldes leais a seu rival Joshua Nkomo, deixando, segundo organizaçõ­es de direitos humanos, 20 mil civis mortos.

Até hoje o papel de Mnangagwa no episódio é um mistério, algo típico na vida de um operador político treinado como guerrilhei­ro comunista na China dos anos 60 que se manteve à sombra do ditador por quatro décadas.

Ao ser indagado se a demissão de seu predecesso­r na vice-presidênci­a, Joice Mujuru, enfraquece­ria o partido, ele respondeu que “a revolução sempre acha meios de se fortalecer”: “Este é outro ciclo em que ela extirpa elementos que ficaram incompatív­eis com o rumo certo”.

Mnangagwa aprendeu política na prisão, nos anos 60, após ser condenado à morte pelas autoridade­s britânicas por integrar uma das primeiras guerrilhas que combateu o domínio branco na então Rodésia. Driblou a forca porque tinha 19 anos e a lei proibia executar menores de 21.

Após uma década preso, parte dela dividindo cela com Mugabe, virou assistente pessoal do líder da independên­cia e, depois, chefe do serviço de segurança da guerrilha.

Em janeiro, uma foto sua com uma caneca onde se lia “I’m the Boss” (“eu sou o chefe”) atraiu suspeitas. Quando Mugabe o destituiu neste mês por deslealdad­e, afastou um de seus últimos camaradas da guerra de libertação.

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