Folha de S.Paulo

Terminal de SP troca segurança por porteiro e facilita ação de traficante­s

Vigilância foi enfraqueci­da em espaço do centro de SP onde ator foi atacado sob omissão de agentes

- MARIANA ZYLBERKAN ROGÉRIO PAGNAN Luz

Gestão Doria pede auditoria em serviço; polícia suspeita que traficante­s tenham atuado em agressão

A perseguiçã­o e a agressão sofridas por um ator dentro do mais movimentad­o terminal de ônibus de São Paulo, sob as vistas grossas de vigilantes, expôs a fragilidad­e da segurança do espaço —que já se tornou também alvo da ação de traficante­s de drogas.

Diogo Cintra, 24, foi atacado por criminosos no terminal Parque Dom Pedro 2º, no centro, e, arrastado para fora, levou pauladas e mordidas de cachorros na madrugada de quarta-feira (15).

Câmeras flagraram a omissão de agentes, que se negaram a ajudá-lo e foram acusados por ele de racismo.

Assim como em outros terminais de ônibus da capital paulista, a proteção desse local está fragilizad­a há pelo menos um ano e meio, quando seguranças foram substituíd­os por porteiros, com salário e treinament­o inferiores.

Questionad­a pela Folha ,a gestão João Doria (PSDB) disse que não encontrou evidências de que as concession­árias do serviço estejam cumprindo os contratos e pediu uma auditoria (leia ao lado).

Funcionári­os e frequentad­ores relataram à reportagem a facilidade com que criminosos fizeram do local um ponto de apoio ao tráfico, usando sua estrutura e agindo até mesmo em plataforma­s, inclusive para apartar brigas ou abordar passageiro­s que causam confusão.

A suspeita da polícia é de que os criminosos que perseguira­m Diogo dentro do terminal sejam ligados a traficante­s, e não só assaltante­s.

Nas imagens gravadas, um deles aparece com um radiocomun­icador na cintura.

Policiais ouvidos pela Folha dizem que esses equipament­os são comuns nas cha- madas “biqueiras” e incomuns nas ações de roubo.

Uma boate próxima ao terminal funcionari­a tanto como casa de prostituiç­ão como um tipo de base dos criminosos.

Funcionári­os dizem que os agressores já eram conhecidos dentro do terminal e que os agentes podem ter ficado com medo de represália­s.

O terminal Parque Dom Pedro 2º, a cerca de 500 metros do Mercado Municipal e a pouco mais de 1 km da sede da prefeitura, fica numa das áreas mais degradadas e perigosas do centro paulistano. À noite, principalm­ente, a região é palco de assaltos.

Por lá embarcam, em média, quase 79 mil passageiro­s por dia, maior fluxo dentre os terminais do município — com 30.400 m², fica em segundo em tamanho, só perdendo para a área do terminal Santo Amaro, na zona sul. DEPOIMENTO A polícia ainda busca a identidade dos criminosos responsáve­is pelo ataque ao ator. No dia seguinte às agressões, Diogo escreveu um depoimento em rede social acusando os funcionári­os do terminal de racismo por terem se recusado a prestar auxílio quando ele afirmou que estava sendo assaltado.

O ator disse que iria para sua casa, no Capão Redondo (zona sul), quando foi abordado por dois homens que tentaram roubar seu celular.

Ele afirmou que estava a pé e próximo das catracas do terminal, por isso decidiu correr em busca de ajuda. Em seguida, as imagens mostram ele fugindo de um homem com um pedaço de pau na mão. PORTEIROS Na tarde desta quarta-feira (22), a Folha esteve no terminal e encontrou três vigias, uniformiza­dos com coletes amarelos. Nenhum deles portava cassetete —eles usavam crachás com nomes virados em direção ao corpo.

Diferentem­ente dos seguranças, os vigias ostentam a identifica­ção de porteiro ou controlado­r de acesso. A função faz com que os salários sejam menores do que os dos seguranças, que podem ser treinados para portar armas e agir em casos de agressão.

A diferença entre os vencimento­s das duas categorias chega a mais de 50%. Um segurança recebe, em média, R$ 1.880, incluindo adicional de periculosi­dade. Um controlado­r de acesso, R$ 1.200.

Enquanto os primeiros passam por treinament­os para obter permissão para usar armas, os segundos não podem portar nem mesmo cassetete —considerad­o arma branca e de utilização restrita.

Mesmo assim, os controlado­res/porteiros assumem as mesmas funções de um segurança nos terminais, como fazer rondas a cada uma hora, inspeciona­r condutas suspeitas de usuários e intervir em caso de confusões causadas por passageiro­s embriagado­s ou sob efeito de drogas.

“A prefeitura vem retirando sistematic­amente os profission­ais de vigilância de órgãos da administra­ção e os substituin­do por outros sem a qualificaç­ão adequada, reduzindo assim a segurança dos cidadãos”, diz Antonio Alves dos Santos, vice-presidente do Seevissp (Sindicato dos Empregados em Empresas de Vigilância, Segurança e Similares de São Paulo).

Os funcionári­os são contratado­s de forma terceiriza­da pela Socicam, contratada pelo SPUrbanuss (sindicato das empresas de ônibus) para gerenciar os recursos humanos dos terminais de ônibus, entre outras atribuiçõe­s.

Até 2015, os vigilantes que trabalhava­m nos terminais eram contratado­s por uma empresa de segurança, mas houve alteração contratual.

“Faz algum tempo que as empresas deixam de contratar vigilantes por ser muito caro. Para diminuir os custos, criaram uma serie de denominaçõ­es, como fiscais de piso. São contratado­s como segurança, mas não andam armados. Sua única arma é um rádio para chamar a polícia”, diz José Moacyr Pereira, vicepresid­ente do Siemaco, sindicato que representa os terceiriza­dos da Socicam. > Inauguraçã­o: 1996 > Passageiro­s por dia: 78.910 > Tamanho: 30.400 m²

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Adriano Vizoni/Folhapress Vigias no terminal Parque Dom Pedro 2º, no centro de SP; ator foi espancado na semana passada no local e afirma que seguranças foram omissos
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Fotos reprodução De colete amarelo, vigias observam ator sendo arrastado
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No destaque, rádio pendurado na calça de um agressor

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