Pedidos de remoção de livros falam de proteção à infância
Justificativa é a mesma usada por grupos que atacam outras obras de arte
Após pedir recolhimento de título de escolas, governo muda regra de seleção dos didáticos distribuídos pelo país
O encerramento precoce da mostra “Queermuseu” em Porto Alegre (RS) após protestos, as acusações de pedofilia à performance “La Bête” em São Paulo, a proibição de menores de 18 anos na exposição do Masp “Histórias da Sexualidade” —o museu voltou atrás— e o recolhimento de livros infantis têm mais coisas em comum do que o ano de 2017.
Todos usam como justificativa uma proteção à infância. “Uma das principais desculpas para a censura é a segurança. Você comete uma violência justificando que certos setores estão em perigo”, diz Maria Cristina Castilho Costa, que coordena o observatório sobre censura da USP.
Segundo ela, há casos no país de censuras indiretas, seja por decisões judiciais ou por uma autocensura ante o medo de ser processado. “É uma ‘censura togada’, que gera desconfortos. As instituições podem enfrentar o problema ou retirar seus conteúdos. Em geral, preferem o segundo.”
Mas há também pleitos feitos sem violência, como o que levou ao fim da ‘Queermuseu’.
Neste ano, a Companhia das Letras recebeu uma autuação do Ministério Público, que foi procurado pelo pai de um aluno de ensino médio, cuja escola havia adotado o livro “Meia-Noite e Vinte”, de Daniel Galera. A queixa referia-se a uma cena em que o personagem se masturba.
A Promotoria do Distrito Federal já havia pedido esclarecimentos à editora em 2015 sobre outro livro. Pais questionaram o conteúdo de “Aparelho Sexual e Cia.”, adotado por um colégio. A editora não comentou os casos. O livro de Galera segue em catálogo.
Já “Aparelho Sexual”está indisponível. A obra fala sobre sexo com crianças e foi tema de vídeo do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) em 2016. Ele diz que o título “é uma porta aberta para a pedofilia” e afirma equivocadamente que foi comprado por programas federais como o PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola) e o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático). Este teve as regras alteradas pelo governo.
Até este ano, a escolha dos livros distribuídos nas escolas era feita por universidades públicas. Agora, professores podem se inscrever no MEC. Páginas vinculadas a grupos como o MBL e o Escola Sem Partido vêm incentivando simpatizantes a se cadastrarem.
“Em futuras polêmicas, o MEC pode dizer que a escolha do livro não foi do governo, mas da sociedade”, avalia Volnei Canonica, que, entre 2015 e 2016, foi diretor do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca do MinC e secretário-executivo da pasta. (BRUNO MOLINERO)