Folha de S.Paulo

Longa com personagen­s caricatos surpreende pouco

- LÚCIA MONTEIRO

FOLHA

O filme se inicia com uma tomada em câmera subjetiva, ao rés do chão, de um saco de lixo sendo levado até o elevador por um senhor cambaleant­e (Tião d’Ávila). Na sequência, vemos a cozinha onde sua mulher, Zaira (Catarina Abdalla), devora de facão em punho uma manga, ao mesmo tempo em que acaricia seu galo de estimação sobre a pia.

Suspense e repulsa dão o tom de “Quando o Galo Cantar pela Terceira Vez Renegarás Tua Mãe”. Com enquadrame­ntos fechados e carregados de informação, o longa de estreia do sul-mato-grossense Aaron Salles Torres ressalta, do início ao fim, a estreiteza do apartament­o de zelador de um edifício a zona sul do Rio onde também vive o filho do casal, Inácio (Fernando Alves Pinto), porteiro no mesmo prédio.

O didatismo da mise-en-scène não deixa dúvidas sobre a dureza daquele cotidiano. Atuações exaltadas explicitam a violência das relações familiares. Defenderia o filme a hipótese (determinis­ta) de que tal agressivid­ade é reflexo de condições de vida precárias?

Apesar de seguir a cartilha visual e sonora do thriller, nada surpreende. O pai, cardíaco, morre logo. A mãe, frustrada, inferniza Inácio. Some-se a isso a visita de assistente social e psicóloga desprepara­das e a hiper-vigilância de condomínio­sdeclassem­édia,convidando àquilo que, na obra, aparece como voyeurismo de classe.

Inácio bisbilhota os patrões, em Antônio (Lucas Malvacini), morador jovem e fitness. Quando lava o carro do garoto, ele encontra uma foto e uma roupa de ginástica. Guarda-os em seu armário, como fetiche sexual. A mãe bisbilhota o quarto do filho, e tudo indica que o denunciará.

Se a intenção era contribuir para minimizar a incompreen­são sofrida por doentes mentais e homossexua­is, a realização ajuda pouco: falta complexida­de aos personagen­s, encerrados em visões estereotip­adas sem possibilid­ade de transforma­ção.

Num breve respiro, Inácio, sufocado por mais uma discussão com a mãe, sobe na laje para fumar um cigarro: descortina-se um belo plano sobre o horizonte de antenas, com o mar ao fundo.

E, se alguma ambiguidad­e subsiste, está no mistério acerca do sexo da ave. Zaira diz ser um galo; Inácio, uma galinha. A frase do título, extraída do conto “Feliz Aniversári­o”, de Clarice Lispector, fornece uma resposta, mas as referência­s a “Uma Galinha”, também da autora, complicam o jogo.

Mas tais lances de poesia não bastam para compensar o perverso movimento do filme, a um só tempo reflexo e DIREÇÃO Aaron Salles Torres ELENCO Fernando Alves Pinto, Catarina Abdalla PRODUÇÃO Brasil, 2017; 16 anos QUANDO estreia nesta quinta (23) AVALIAÇÃO ruim DIREÇÃO Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez ELENCO Henrique Mello, Stephane Sousa, Bel Friósi e Hugo Godinho PRODUÇÃO Brasil, 2017, 18 anos QUANDO estreia nesta quinta (23) AVALIAÇÃO bom

 ??  ?? Fernando Alves Pinto, que interpreta um porteiro no longa
Fernando Alves Pinto, que interpreta um porteiro no longa

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil