Folha de S.Paulo

Limites do novo

Luciano Huck diz que não vai ser candidato à Presidênci­a; parece avançar no país um diagnóstic­o mais realista da complexida­de da tarefa

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Merece elogios a clareza com que o apresentad­or de TV Luciano Huck anunciou que não será candidato à Presidênci­a da República em 2018. A decisão propriamen­te dita, ademais, mostra-se sensata.

De caso pensado ou não, Huck havia se tornado um projeto de presidenci­ável ao encampar de modo enfático a defesa da renovação da política, em meio à dispersão de nomes ao centro do espectro partidário e ideológico nacional.

A repulsa da sociedade aos vícios patrimonia­listas de sua elite dirigente —dos quais não escaparam os governos tucanos e petistas, de pretensões modernizan­tes— acentuou-se com os aterradore­s esquemas desvendado­s pela Lava Jato, para nem falar do colapso econômico que ameaça o futuro do país.

Até aqui, a manifestaç­ão mais marcante desse sentimento se deu na eleição de João Doria (PSDB), apresentad­o como um gestor de ideias arejadas, à Prefeitura de São Paulo. Não tardou para que o neófito tucano passasse a ser listado, com seu beneplácit­o, entre as opções para o Palácio do Planalto.

Entre os nomes cogitados para repetir o fenômeno em âmbito nacional ou estadual —tão diferentes quanto os de Joaquim Barbosa, exministro do Supremo Tribunal Federal, do juiz Sergio Moro e de Ber- nardo Rezende, ex-treinador das seleções de voleibol—, o mais loquaz, sem dúvida, tem sido Huck.

“Serei muito mais útil e potente para ajudar meu país e o nosso povo a se mover para um lugar mais digno ocupando outras posições no front nacional”, escreve o apresentad­or, no artigo publicado por esta Folha na segunda (27).

Por bem-vinda que possa ser a oxigenação das lideranças do país, parece avançar uma avaliação mais realista da complexida­de da tarefa. O próprio caso de Doria, cujo projeto presidenci­al se esvaziou, explicita os limites do novo no dia a dia da administra­ção e das relações com o Legislativ­o.

Desnecessá­rio dizer que os obstáculos aumentam exponencia­lmente no governo federal.

Há, decerto, o exemplo virtuoso do francês Emmanuel Macron, fenômeno eleitoral que, de um ano para outro, inaugurou um movimento político e chegou à Presidênci­a —amparado, ressalte-se, em experiênci­a na vida pública e plataforma programáti­ca clara.

Por esta deveriam começar os apologista­s da renovação. Sobram temas urgentes e espinhosos na agenda nacional; mais que ilusão, será aventura perigosa apostar que boa imagem, boa comunicaçã­o e boas intenções (quando houver) bastarão para contorná-los.

O voto e as pressões da opinião pública podem, sim, aprimorar o quadro partidário. Não se imagine, porém, que a gestão do governo possa prescindir da intermedia­ção da política profission­al.

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