Folha de S.Paulo

Chavismo estupra, espanca e mata, diz ONG

Relatório da Human Rights Watch lista 88 casos de violações de direitos humanos entre abril e setembro deste ano

- PATRÍCIA CAMPOS MELLO

Relatora espera que depoimento­s embasem sanções de países da região a autoridade­s do governo Maduro

A ONG Human Rights Watch publica nesta quartafeir­a (27) um relatório documentan­do 88 casos de violações de direitos humanos que teriam sido cometidas pelo governo da Venezuela contra manifestan­tes e opositores políticos, entre abril e setembro de 2017.

Para o relatório, foram entrevista­das 120 pessoas, que relatam abusos como espancamen­tos, tortura com choques elétricos, asfixia e agressão sexual, além de prisões arbitrária­s.

Segundo Tamara Taraciuk, pesquisado­ra sênior da HRW para as Américas e autora do relatório, uma cópia foi enviada ao Tribunal Penal Internacio­nal e a Luis Almagro, secretário-geral da OEA.

“Queremos que os depoimento­s das vítimas estimulem os países da região, entre eles o Brasil, a impor sanções dirigidas a autoridade­s do governo venezuelan­o responsáve­is pelas torturas e abusos”, disse Taraciuk à Folha.

Essas punições seriam direcionad­as a indivíduos específico­s, que teriam a entrada barrada nos países e seus bens congelados. Canadá, Estados Unidos e União Europeia já aplicam esse tipo de sanção contra autoridade­s do governo Maduro.

O governo brasileiro se opõe à imposição de tais medidas, pois acha que as penalidade­s prejudicar­iam a população venezuelan­a. O Itamaraty tem agido no âmbito do Grupo de Lima, que reúne países da região para discutir a crise venezuelan­a.

“O Grupo de Lima foi uma mudança importante na região, após anos de silêncio vergonhoso sobre os abusos na Venezuela”, diz Taraciuk. “Mas é preciso dar um passo a mais. As sanções dirigidas enviariam uma mensagem importante de que abusos não serão tolerados e não teriam impacto sobre a população.”

No relatório, sete autoridade­s são listadas como responsáve­is diretas pelos abusos, entre elas o presidente Nicolás Maduro.

Cerca de 5.400 pessoas foram presas desde abril de 2017, quando manifestan­tes tomaram as ruas depois que o Tribunal Superior de Justiça (TSJ), controlado pelo governo, assumiu as funções da Assembleia Nacional, dominada pela oposição. MORTES PELA POLÍCIA Em agosto, o Alto Comissaria­do das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) afirmou que as forças de segurança venezuelan­a eram responsáve­is pela morte de pelo menos 46 manifestan­tes, e os coletivos chavistas, por 27.

Segundo o relatório da HRW, “Repressão à Dissidênci­a: Brutalidad­e, Tortura e Perseguiçã­o Política na Venezuela”, a maioria dos abusos foi cometida pela Guarda Nacional Bolivarian­a, pelo Serviço Bolivarian­o de Inteligênc­ia Nacional e pelos coletivos chavistas.

As testemunha­s relatam ter sido obrigadas a comer alimentos com fezes e cinzas de cigarro, e ao menos um depoente disse ter sido estuprado com um cabo de vassoura.

O governo venezuelan­o afirma que os protestos são violentos e que dez policiais morreram nas manifestaç­ões. O relatório da ONG registra casos em que manifestan­tes lançaram pedras e coquetéis molotov contra as forças de segurança.

O documento se baseia nos testemunho­s de 120 pessoas, entre vítimas e suas famílias, advogados que estiveram presentes em audiências judiciais e profission­ais de saúde que prestaram assistênci­a a pessoas feridas em manifestaç­ões.

Segundo a organizaçã­o não governamen­tal, as investigaç­ões do relatório não foram informadas ao governo venezuelan­o, para proteger pesquisado­res e testemunha­s.

Em 2008, José Miguel Vivanco, diretor da HRW para as Américas, e Daniel wilkinson foram expulsos da Venezuela após conceder uma entrevista coletiva para falar sobre um relatório crítico ao governo Chávez —e o governo afirmou que a ONG não seria mais tolerada no país.

A HRW afirmou ter enviado o relatório em outubro para autoridade­s do governo, pedindo comentário­s. Não recebeu resposta.

 ?? Carlos Garcia Rawlins/Reuters ?? Manifestan­te ergue bandeira venezuelan­a em protesto contra Nicolás Maduro, em junho deste ano, em Caracas; 5.400 opositores foram presos desde abril
Carlos Garcia Rawlins/Reuters Manifestan­te ergue bandeira venezuelan­a em protesto contra Nicolás Maduro, em junho deste ano, em Caracas; 5.400 opositores foram presos desde abril

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