Folha de S.Paulo

Limbo eleitoral ilustra fraqueza de instituiçõ­es em Honduras

- SYLVIA COLOMBO

O Tribunal Constituci­onal Plurinacio­nal da Bolívia (Suprema Corte) autorizou nesta terça (28) o presidente Evo Morales a concorrer a seu quarto mandato na eleição de 2019, o que pode permitir a ele ficar 19 anos no poder.

A decisão contraria o resultado do plebiscito de janeiro de 2016, em que 51% dos votantes negaram ao mandatário a possibilid­ade de disputar. Morales, porém, ainda não disse se pretende ou não concorrer de novo.

Os magistrado­s acolheram ação de inconstitu­cionalidad­e do Movimento ao Socialismo (MAS), partido governista, cujo argumento era que os limites legais de reeleição e de mandatos violam o sufrágio universal.

Para embasar a tese, recorreram à Constituiç­ão, que prevê cassação de direitos políticos em caso de sedição armada, desvio de dinheiro público ou traição à pátria, e à Convenção Interameri­cana de Direitos Humanos.

“Todas as pessoas que estejam conformes com a lei e com a Constituiç­ão devem ter o direito de concorrer a cargos públicos, porque cabe ao povo boliviano decidir”, disse o presidente do TCP, Macario Lahor Cortez.

Com a decisão, abriu-se a chance de segunda reeleição aos demais cargos do Executivo e do Legislativ­o. A oposição a considerou uma violência à lei e um golpe à democracia —alguns chamaram o governo de ditadura.

“Esta decisão reafirma que a Justiça é um instrument­o do MAS para deixar impune a corrupção, violar direitos e enfraquece­r a Constituiç­ão”, disse o vice-presidente do Democratas, Vladimir Peña.

O ex-presidente Jorge Quiroga chamou os magistrado­s de “matadores de aluguel” e criticou Morales. “O senhor desonra sua palavra prometendo cumprir seu mandato e sair para abrir um restaurant­e. Não tem palavra.”

Ambos pediram que os eleitores votem nulo na eleição dos membros do Judiciário em protesto —os bolivianos escolhem os novos magistrado­s no domingo (3).

Evo Morales assumiu pela primeira vez em 2006, mas no ano seguinte convocou uma Constituin­te, e, na nova Constituiç­ão, estipulou-se que seria possível só uma reeleição consecutiv­a. Nas primeiras votações sob a lei nova, em 2009, ele foi eleito.

A Justiça, porém, reinterpre­tou a lei de modo a considerar como válidos para a regra apenas os mandatos obtidos após a nova Constituiç­ão, de modo que Morales estaria no primeiro. Com isso, pôde se candidatar de novo em 2014 e venceu outra vez.

Dois dias depois de ir às urnas, os hondurenho­s seguiam na terça (28) sem saber quem seria seu novo presidente.

À frente na contagem parcial do TSE divulgada no domingo (26) e vitorioso nas bocas de urna, o oposicioni­sta Salvador Nasralla, líder de uma coalizão de partidos de esquerda e de direita, chamou o povo às ruas para defender o seu suposto triunfo.

Já o atual presidente, Juan Orlando Hernández, que concorre à reeleição (o que é proibido no país), diz que quem ganhou foi ele e acusou o órgão eleitoral de divulgar resultados cedo demais.

O atual mandatário chegou a postar nas redes sociais que tinha recebido felicitaçõ­es por telefone de alguns líderes da América Latina.

Enquanto isso, o virtual terceiro colocado, Luiz Zelaya reconheceu a derrota e cumpriment­ou Nasralla.

Nesta terça, os observador­es europeus do pleito declararam que a eleição ocorreu “de forma tranquila e sem irregulari­dades relevantes”, mas aconselhar­am o TSE a ser mais ágil na contagem dos votos —o processo estava lentíssimo na segunda (27) e em parte da terça.

O limbo em que se encontra Honduras ilustra a fragilidad­e institucio­nal do país, ainda não recuperado do golpe que depôs Manuel Zelaya em 2009. A partir daquele episódio, o Executivo adotou uma linha dura na relação com outros Poderes.

Ao irem às ruas pedir o fim da corrupção em 2015, milhares de hondurenho­s denunciava­m escândalos políticos e a ingerência do Executivo no Judiciário.

Os perdedores da eleição de 2013, entre eles Xiomara Castro, mulher de Manuel Zelaya, declararam que, na verdade, era Hernández que tinha sido derrotado, mas que revertera o fracasso manipuland­o o resultado.

No ano passado, por pressão de Hernández, o Supremo Tribunal Federal, composto por uma maioria de juízes escolhidos pelo próprio presidente, deu-lhe permissão para concorrer à reeleição, mesmo que isso violasse a Constituiç­ão.

Na noite de terça, os números da apuração davam a Nasralla 43,7% dos votos, contra 40,9% de Hernández.

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Juan Karita/Associated Press Manifestan­tes fazem barricadas em El Alto após decisão que libera reeleição de Morales

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