Fronteira entre Irlandas é nó do ‘brexit’
Temor é que saída do Reino Unido da Europa reavive tensões na região, por causa de controle de bens e passaportes
Em meio a negociações para desligamento de vizinhos, Dublin vê sua vice-premiê renunciar após pressão opositora
Em meio a um escândalo de corrupção, a vice-primeira-ministra irlandesa, Frances Fitzgerald, renunciou ao cargo nesta terça-feira (28).
Com isso, evitou a moção de censura prevista para o fim do dia que levaria ao colapso do governo e à antecipação das eleições para dezembro.
“Decidi colocar o interesse nacional acima da minha própria reputação”, Fitzgerald afirmou em uma nota.
“Foi necessário tomar essa decisão para evitar eleições potencialmente desestabilizadoras neste momento crítico”, disse. O pleito está previsto para 2021.
Sua saída, no entanto, não deve aliviar a crise política e deixa o governo irlandês fragilizado quando precisava estar especialmente forte.
O futuro da fronteira entre a Irlanda e a Irlanda do Norte —um país que faz parte do Reino Unido— será nas próximas semanas ponto-chave das negociações do “brexit”, a saída britânica da União Europeia.
A renúncia de Fitzgerald era exigida pela oposição após a divulgação de documentos demonstrando que ela estava ciente de uma campanha de difamação contra um detetive. A vítima havia denunciado a corrupção na polícia irlandesa enquanto ela era ministra da Justiça.
Convocados pela sigla de oposição Fianna Fáil, parlamentares planejavam votar nesta terça contra Fitzgerald e, com isso, derrubar o governo minoritário do premiê Leo Varadkar. Com a renúncia, a moção foi abandonada.
Quando o Reino Unido deixar o bloco, em março de 2019, sua única fronteira terrestre com a União Europeia será aquela entre a Irlanda do Norte e a vizinha Irlanda.
Não se sabe ainda como essa fronteira será resolvida. Em tese, como o Reino Unido não será mais um membro da União Europeia, precisará haver algum tipo de controle na passagem à Irlanda, seja de bens, seja de passaportes.
Mas essa fronteira de 500 quilômetros pode prejudicar as economias locais e minar o processo de paz na região após os 30 anos de conflito pela separação da Irlanda do Norte e sua unificação com a Irlanda, encerrados em 1998.
Uma parte central dos acordos de paz era a que previa a liberdade de movimento entre as Irlandas, um tema devolvido pelo “brexit” ao debate público, fomentando novos movimentos separatistas.
A União Europeia vai avaliar em 14 e 15 de dezembro se houve progresso suficiente nas negociações fronteiriças entre Irlanda e Reino Unido. Só então o bloco pretende dar início ao debate sobre um acordo de livre comércio, pedido por Londres.
A Irlanda chegará fragilizada a essa cúpula, e o premiê Varadkar terá dificuldades em insistir em que a fronteira não seja erguida outra vez. Ele pede que o Reino Unido se comprometa a não instaurar controle migratório.
O Reino Unido tampouco tem interesse na fronteira, mas o governo britânico diz que não vai tomar nenhuma decisão sobre esse assunto até que o acordo comercial com a UE seja acertado —sua principal demanda hoje.
Uma solução para evitar as fronteiras seria manter Irlanda e Irlanda do Norte em um mesmo regime. Ou seja, precisaria vigorar ali regulação distinta à do resto do Reino Unido, o que o governo norte-irlandês não quer.