Folha de S.Paulo

Impostora faz denúncia falsa ao ‘Post’

Jornal que revelou escândalo sexual do republican­o Roy Moore é alvo de aparente operação para desabonar mídia

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Mulher que disse ter se envolvido com político mas cujo relato não se sustenta está ligada a grupo antijornal­ismo

Uma mulher procurou o “Washington Post” com uma falsa denúncia contra Roy Moore, candidato ao Senado do Alabama, na aparente tentativa de constrange­r o jornal na cobertura de um escândalo de sexo com menores que envolve o republican­o.

A mulher, que tem documentos com o nome Jaime Phillips, aparenteme­nte trabalha para a Projeto Veritas, uma organizaçã­o que cria histórias falsas e faz gravações clandestin­as de jornalista­s para expor aquilo que chama de “distorções” da mídia.

Seu fundador, James O’Keefe, foi condenado em 2010 por usar identidade falsa.

Em entrevista­s ao longo de duas semanas, Phillips descreveu um suposto relacionam­ento sexual com Moore em 1992, quando ela tinha 15 anos, e pressionou os repórteres do jornal a falarem do efeito de suas declaraçõe­s na candidatur­a de Moore.

O “Washington Post” não publicou reportagen­s sobre suas alegações, que não puderam ser comprovada­s.

Na segunda (27), repórteres a viram entrar na sede do Projeto Veritas, em Mamaroneck, NY. Procurado, James O’Keefe se recusou a falar de Phillips. Depois disso, a mulher deixou de atender a liga- ções do “Post”, e o jornal tomou a rara decisão de revelar conversas confidenci­ais.

“A intenção do Projeto Veritas era divulgar a conversa se caíssemos na armadilha. Por causa de nosso rigor jornalísti­co, não fomos enganados”, disse o editor-executivo do “Post”, Martin Baron. DENÚNCIA A aparente operação começou horas após o jornal publicar uma reportagem, em 9 de novembro, sobre relações sexuais entre Moore, então um juiz de 32 anos, e Leigh Corfman, de 14, em 1979.

A repórter Beth Reinhard, coautora do texto, recebeu um e-mail dizendo “Moore no Alabama... talvez eu saiba algo, mas preciso me manter segura. Como fazemos?”.

Reinhard perguntou se a pessoa conversari­a em off (com a identidade oculta). A resposta: “Preciso confiar que vocês são capazes me proteger antes de falar tudo”.

Nos dias seguintes, a repórter e a suposta denunciant­e falaram por telefone e e-mail. Quando a mulher sugeriu um encontro, Reinhard disse que precisava apurar mais, e a mulher então disse que seu nome real era Jaime Phillips e que vivia em Nova York.

As duas escolheram um shopping perto de Washington, onde Phillips estaria no feriado de Ação de Graças.

No encontro, a mulher de 41 anos disse ter sofrido abusos na infância e ter ido morar com uma tia em Talladega, Alabama, onde teria conhecido Moore aos 14, então juiz local. Os dois teriam iniciado uma relação que resultou em uma gravidez interrompi­da a pedido de Moore.

Phillips insistiu que a repórter dissesse que Moore perderia a eleição por causa do relato, mas Reinhard afirmou ser impossível prever o impacto da reportagem e afirmou que teria que cruzar informaçõe­s, pedindo documentos para corroborá-las.

A suposta denunciant­e então se distanciou e contatou outra repórter do “Post”, Stephanie McCrummen, coautora da reportagem original.

Reinhard, porém, desconfiar­a do fato de o código de área do celular de Phillips ser do Alabama embora ela alegasse que viveu lá por poucos meses, e décadas antes. Além disso, o lugar onde ela dissera trabalhar negou ter uma funcionári­a com seu nome.

Ao investigar, o “Post” achou uma página de vaquinha eletrônica sob o nome de Phillips em que ela dizia, em maio, que se mudaria para Nova York. “Aceitei emprego no movimento de mídia conservado­ra para combater as mentiras da MSM [abreviação para “mainstream media”, ou mídia tradiciona­l] liberal.”

Dois meses antes, o Veritas, criado em 2010 como organizaçã­o sem fins lucrativos e isenta de tributação, anunciara que buscava 12 “repórteres infiltrado­s” dispostos a “adotar pseudônimo, ganhar acesso a uma pessoa-chave e persuadi-la a revelar informaçõe­s”. A entidade arrecadou US$ 4,8 milhões em 2016, emprega 38 pessoas e tem 92 voluntário­s, segundo registro.

McCrummen então aceitou o encontro e se reuniu com Phillips perto de Washington, vigiada por câmeras do jornal. Na reunião, a mulher aparenteme­nte tentou gravar a conversa com uma câmera oculta na bolsa e voltou a pedir que a repórter garantisse que o artigo resultaria na derrota de Moore, mas McCrummen a questionou sobre a história e a vaquinha eletrônica.

Phillips respondeu que buscara uma vaga no site Daily Caller —que por sua vez nega que a tenha entrevista­do. Ela também disse não ter contato com o comitê de Moore.

No fim da entrevista, Phillips afirmou à repórter que não gravara a conversa. “Não respondere­i mais perguntas”, acrescento­u. “Acho que vou embora.” Ela então pegou sua bolsa, seu casaco e saiu.

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Joe Buglewicz-27.nov.17/Getty Images/AFP O juiz Roy Moore, que disputa Senado no Alabama e é acusado de ter feito sexo com adolescent­e, faz comício em Henagar

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