Congresso americano organiza treinamento obrigatório antiassédio
Chloe tem um chefe que lhe envia mensagens tarde da noite, elogiando seu vestido. Ele a convidou para jantar dizendo que seria “bom para a sua carreira”, e tem o hábito de tocar nos seus ombros e braços. É assédio?
Essa é uma das perguntas que servidores e membros do Congresso dos EUA deverão responder, em um treinamento sobre assédio sexual que começou nesta semana.
O mundo político foi pressionado a se posicionar depois que um senador e um deputado, além de um candidato ao Senado (por enquanto), foram acusados de assédio.
Membros do Congresso se uniram e propuseram mais transparência sobre o tema. O Senado foi o primeiro a aprovar uma resolução que estabelece treinamento obrigatório para todos os seus funcionários. Até mesmo os senadores estão sendo obrigados a frequentar as aulas.
“Queremos que isso cesse imediatamente”, afirma Paula Sumberg, do escritório de conformidade do Congresso, que comanda o treinamento. Parte do material está disponível online, e a reportagem assistiu a uma das lições.
O treinamento explora todas as nove formas de discriminação contra servidores estabelecidas numa lei federal de 1995. O assédio sexual é uma delas. Mensagens de texto e em e-mails pessoais, explica o curso, também configuram a prática.
“Falta de civilidade e habilidades sociais” ou uma “simples provocação”, não. Pelo menos, diante da lei.
“Queremos chegar ao ponto em que até algumas provocações cessem”, diz Sumberg.
Os slides detalham dois tipos de assédio sexual: um é o relacionado, implícita ou explicitamente, a uma vantagem ou punição ao empregado. Como na mensagem a seguir: “Estou fazendo sua avaliação. Falando nisso, você está disponível para jantar hoje?”. Um convite que sugira que um encontro “pode ser bom para sua carreira” também cai nessa categoria.
A aceitação passiva ou a ausência de reação pelo assediado “não significa que a conduta seja bem-vinda”, frisa Sumberg.
O outro tipo de assédio é pela criação de um ambiente de trabalho hostil —por meio, por relacionada a isso.
Em média, custam US$ 53 mil aos cofres públicos americanos em acordos trabalhistas —nos últimos 20 anos, eles somaram US$ 12,7 milhões.
Tudo isso foi pago com dinheiro público, e em sigilo: qualquer servidor que denuncie assédio precisa assinar um termo de confidencialidade, antes mesmo de iniciar a negociação.
O processo é lento: todo denunciante precisa passar por 30 dias de aconselhamento e depois fazer um novo pedido formal para uma mediação, desta vez com a presença do agressor. Ele pode firmar um acordo ou, então, decidir acionar a Justiça, mas só depois de 90 dias.
“O sistema foi feito para proteger o assediador. Não é um processo amigável para a vítima”, disse a uma TV a deputada democrata Jackie Speier, para quem o treinamento é só “um pequeno passo”.
Congressistas cobram uma regulação sobre o tema que dê publicidade à ocorrência de casos de assédio e estabeleça medidas corretivas e punitivas, hoje inexistentes. A Câmara deve votar nesta semana uma resolução que propõe revisar esse sistema. QUEM O PRATICA Qualquer pessoa pode ser um assediador, incluindo chefes, subordinados, fornecedores e clientes ONDE ACONTECE ‣ No ambiente de trabalho ‣ Em viagens a negócio ‣ Em eventos sociais ‣ Por meio de
mensagens de texto ‣ Por meio de e-mails
corporativos ou pessoais EXEMPLOS ‣ Toque íntimo ou
indesejado ‣ Elogios fora de hora
à aparência ou à roupa ‣ Convites para jantares
ou encontros ‣ Comentários ofensivos
em número significativo 44% que trabalham na administração pública dos EUA já sofreram assédio