Folha de S.Paulo

O serviço público no Brasil

-

Folha - Como têm sido as reações desde a divulgação das sugestões?

Martin Raiser - Gostaria de destacar que a nossa ideia não era apresentar uma lista de recomendaç­ões. Era fazer um diagnóstic­o da situação fiscal do país. O trabalho começou com o [ex] ministro [Joaquim] Levy e foi bastante detalhado, envolvendo técnicos da Fazenda, do Planejamen­to, da Saúde, da Casa Civil e do Ipea.

Nossa ideia principal era demonstrar que o Brasil tem que fazer um ajuste. Senão, entrará numa crise de dívida aguda. Segundo, é possível fazer esse ajuste de um jeito que reduza a desigualda­de. Identifica­mos que o Estado brasileiro gasta mal e que suas transferên­cias beneficiam mais os ricos do que os pobres. Dá para fazer um ajuste sem prejudicar os mais vulnerávei­s e os mais pobres. Acredita que as sugestões serão acolhidas pelos candidatos à Presidênci­a em 2018?

O ajuste é um desafio de médio prazo, que vai muito além das próximas eleições. A economia necessária é de 5% do PIB e, por isso, é um ajuste que vai decorrer de ações a serem tomadas nos próximos dez anos. É uma política de Estado, não de eleição, vai muito além do mandato do novo presidente. Vê espaço político para que essa agenda avance?

Estudos internacio­nais demonstram que os ajustes são sempre mais bem-sucedidos em momentos de retomada da economia e do ponto de vista do cresciment­o econômico. Reduzir o gasto ineficient­e tem mais impacto do que aumentar a receita. Um ajuste bem-sucedido não necessaria­mente significa prejuízo eleitoral, ao contrário. Embora mencionem no relatório, o aumento de impostos à parcela mais rica da população não entrou na lista de recomendaç­ões. Por quê?

Estrutural­mente, a crise fiscal brasileira não é de receita. A receita foi afetada pela recessão, mas, principalm­ente, o que se constata é um aumento estrutural do gasto nos últimos 15 anos. Não pode continuar desse jeito. Isso está ligado a regras de vinculação de despesas no Orçamento e, sem enfrentar esse gargalo, será muito difícil estabiliza­r as contas públicas. Mas isso não significa que não seja necessário fazer uma reforma para reduzir a desigualda­de que vem da área tributária.

Não é só o gasto público que beneficia mais a classe média e os de renda mais alta. Ricos e pobres pagam o mesmo imposto quando consomem e isso provoca uma desigualda­de elevada na carga tributária.

Se a nossa análise do gasto tivesse mostrado que todos os programas são bem desenhados e que ajudam a reduzir a pobreza, claro que daríamos mais ênfase do lado da receita. Mas nossa análise tem demonstrad­o que o gasto não está sendo bem alocado. O Estado está pegando dinheiro do pobre e dando para o mais rico, via subsídios e incentivos a setores industriai­s. Chamou a atenção a disparidad­e entre o pagamento a funcionári­os públicos e os da iniciativa privada. O Brasil está fora do padrão no mundo? Em quais outras áreas o Brasil está fora do padrão mundial?

Na Previdênci­a. É o maior gasto dos emergentes. Gasta o mesmo que o Japão, que tem uma população bem mais envelhecid­a. Em 20 anos, terá uma população tão envelhecid­a quanto a do Japão e o gasto será superior a 20% do PIB. Com a versão enxuta da reforma, apresentad­a pelo governo, aumenta a pressão sobre demais medidas de ajuste?

Não chegamos a avaliar a nova proposta. Isso faz parte da discussão política e o Banco Mundial não vai entrar. Mas, se o Brasil não fizer a reforma, vai ter de fazer uma maior em pouco tempo. Mesmo com a reforma, o Brasil

Não é a primeira vez que o Brasil enfrenta um ajuste fiscal. Nas últimas vezes, esse ajuste veio pela inflação e são os mais pobres que sofrem mais quando a inflação sobe

Se não enfrentarm­os essa agenda, é certo que serão os mais pobres os afetados?

Não é a primeira vez que o Brasil enfrenta um ajuste fiscal. Nas últimas vezes, esse ajuste veio pela inflação e são os mais pobres que sofrem mais quando a inflação sobe. Alguns ligaram as sugestões a uma agenda liberal.

Não estamos contra incentivos à indústria, mas é preciso ter resultado. Em geral, essas políticas no Brasil têm pouca avaliação e, quando têm, não demonstram ter efeito algum. Na política social, o No caso do ensino superior, países como o Chile estão tentando reverter o caminho do ensino 100% privado para melhorar a desigualda­de.

As políticas para aumentar o acesso ao ensino superior estão nas universida­des privadas, com o Prouni e o Fies. Nos últimos anos, houve expansão significat­iva de acesso à universida­de publica, mas os mais pobres ainda representa­m 20% dos estudantes das universida­des federais —65% dos alunos estão entre os 10% mais ricos da população. Ao introduzir uma contribuiç­ão para a parcela mais rica, seria possível ampliar o acesso ao ensino.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil