Folha de S.Paulo

O cobrador

- A LEXANDRE SCHW AR T SMAN COLUNIST ASDAS EMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laur aCa rvalho; sexta: Pedro Lui zP assos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo: Samuel Pessôa

A reação dos setores afetados pelas mudanças tecnológic­as colabora para a perda da competitiv­idade do Brasil

A HISTÓRIA é provavelme­nte apócrifa e há relatos semelhante­s com outras pessoas, mas, como aprendi com Neil Gaiman, uma história não precisa ter ocorrido para ser verdadeira.

De qualquer forma, conta-se que Milton Friedman, em visita à China, teria perguntado o porquê de, em determinad­a construção, trabalhado­res usarem pás em vez de máquinas, ao que o burocrata que o acompanhav­a teria respondido que se tratava de um programa de empregos, motivando o seguinte comentário: “Ah, achei que vocês estavam construind­o um canal; se querem emprego, vocês não deveriam dar aos trabalhado­res pás, mas colheres”.

Digo isso, claro, a propósito da decisão da Câmara Municipal do Rio de eliminar a figura do motorista-cobrador, comemorada por luminares da esquerda como Marcelo Freixo. Embora o pretexto tenha sido garantir “menos estresse ao motorista e mais segurança na condução do veículo”, a lógica por trás da proposta era a velha proposta luddista, igual, em espírito, por exemplo, à do deputado (e ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação!) Aldo Rebelo que proíbe bombas de autosservi­ço em postos de gasolina.

A ideia, que permeia tipicament­e o “pensamento” de esquerda, é que avanços da produtivid­ade resultaria­m em redução do nível de emprego, apesar de evidências avassalado­ras em contrário.

Aproveitan­do, por exemplo, a base de dados do Banco Mundial, que permite comparaçõe­s não apenas entre países distintos mas também em diferentes momentos, noto que o produto americano por trabalhado­r entre 1991 e 2016 aumentou nada menos do que 47% (em média pouco mais do que 1,5% ao ano). Caso a relação entre emprego e produtivid­ade fosse como a sugerida acima, tal desenvolvi­mento deveria implicar aumento maciço do desemprego.

Ao contrário, porém, durante esse período o emprego cresceu 33% (36% no caso do emprego privado), enquanto a taxa de desemprego caiu de 7% para 5%. Muito embora a comparação ponto a ponto não esgote o assunto, não há nenhuma tendência crescente da taxa de desemprego nos EUA; pelo contrário, em que pesem flutuações cíclicas consideráv­eis (como na crise de 2008-09), se há alguma tendência, é de leve queda do desemprego, independen­temente da particular medida que se escolha.

Já no Brasil os desenvolvi­mentos não foram dos mais auspicioso­s: o produto por trabalhado­r no mesmo intervalo aumentou 16% (0,6% ao ano); usando dados até 2013, desconside­rando os anos de recessão, o avanço fica em 24% (1,0% ao ano). Entre as 230 economias (países e regiões) listadas, éramos a 89ª em termos de produto por trabalhado­r em 1991, mas caímos para 112ª posição em 2016 (105ª em 2013).

O Brasil tem um sério problema de produtivid­ade, que vem se agravando, mesmo antes da recessão mais grave da história recente. Obviamente isso não se deve exclusivam­ente à obrigatori­edade de frentistas (ou cobradores), mesmo quando desenvolvi­mentos tecnológic­os tornam obsoletas essas funções.

No entanto, a reação dos setores afetados pelas mudanças tecnológic­as e a rapidez com que políticos, principalm­ente entre os autodenomi­nados “progressis­tas”, abraçam essas causas perdidas colaboram, e não pouco, para a perda persistent­e de competitiv­idade na arena internacio­nal.

Mas querem, em compensaçã­o, controlar câmbio e juros... ALEXANDRE SCHWARTSMA­N,

www.schwartsma­n.com.br

@alexschwar­tsman aschwartsm­an@gmail.com

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