Folha de S.Paulo

TCM e Câmara travam concessões de Doria

Projetos de Anhembi e cemitérios foram barrados por tribunal de contas em etapa inicial; cronograma está ameaçado

- GUILHERME SETO

Vereadores da base aliada do tucano pedem contrapart­idas e temem perda de influência no serviço funerário

A atuação do Tribunal de Contas do Município de São Paulo e a resistênci­a de vereadores da própria base governista se tornaram entraves ao cronograma de desestatiz­ações do prefeito João Doria (PSDB) —e motivo de incômodo na gestão tucana, que tem nesses projetos uma de suas principais bandeiras políticas.

Os planos de privatizaç­ão do Anhembi, de reforma de pontes nas marginais Tietê e Pinheiros e de concessão dos cemitérios, crematório e serviço funerário foram barrados pelo TCM nas etapas iniciais, antes mesmo da publicação de editais de licitação, pegando a prefeitura de surpresa.

Na Câmara Municipal, Doria tem teoricamen­te 44 dos 55 vereadores em sua base aliada. Inicialmen­te tolerantes com projetos de lei do tucano, encerraram a lua de mel e adotaram uma postura mais dura nas últimas semanas.

No caso do Anhembi, derrubaram sessões por falta de quórum, recusando-se a votar a proposta de privatizaç­ão.

Entre os motivos de descontent­amento está a cobrança de contrapart­idas —como sanção de projetos e liberação de emendas parlamenta­res— após Doria conseguir aprovações anteriores na Câmara.

A proposta de concessão dos cemitérios já está pronta com a Secretaria de Governo, mas não foi nem mesmo protocolad­a na Câmara. O motivo é a pressão de parlamenta­res com influência no setor — que mantêm indicações em cargos e deixaram claro que, se não houver negociação prévia, ela será bombardead­a.

Informalme­nte, a prefeitura já estima um atraso de ao menos dois meses em seu cronograma em razão de intervençõ­es do TCM e restrições impostas por vereadores.

A gestão tucana esperava que a iniciativa privada já estivesse na disputa pelos parques e pelo estádio do Pacaembu até dezembro —plano já postergado para 2018.

Pelo cronograma original, o Anhembi seria leiloado em dezembro, e os cemitérios seriam repassados no primeiro trimestre de 2018. No caso do complexo, o aval definitivo da Câmara só deve acontecer depois de fevereiro. Sobre os cemitérios, não há definição.

Após disputa no PSDB com seu padrinho político, Geraldo Alckmin, para a escolha do candidato do partido à Presidênci­a da República no ano que vem, Doria acabou sofrendo desgastes —e não decolou nas pesquisas. Agora, poderá tentar uma vaga ao governo de São Paulo — para isso, terá que sair do cargo antes do início de abril. INTERVENÇíO A decisão do TCM de fiscalizar os projetos do Executivo antes de eles avançarem é alvo de opiniões divergente­s.

Há quem acredite que ele esteja extrapolan­do seu escopo de atuação, principalm­ente no caso dos cemitérios, cuja concessão foi travada ainda na fase dos Procedimen­tos de Manifestaç­ão de Inte- Em que fase está Oquea prefeitura quer Custo por ano resse, batizada de PMI.

“É inadequada e até ilegal qualquer tipo de intervençã­o do TCM na fase inicial dos processos. O PMI é uma fase inicial de qualquer projeto de infraestru­tura. Serve para colher informação do mercado. A partir da resposta é que começa a ser feita a modelagem da privatizaç­ão”, diz Vera Monteiro, professora de direito administra­tivo da FGV.

“Trata-se de intervençã­o impertinen­te num momento em que o projeto nem existe. É perfeitame­nte legítimo que o chefe do Executivo consulte a sociedade para saber se ela tem boas propostas”, afirma.

Por outro lado, Marco Antonio Carvalho Teixeira, também docente da FGV, diz que o tribunal está agindo dentro de seu círculo de atribuiçõe­s.

“Tudo o que se refere a dinheiro público tem a ver com o tribunal de contas. Desde o impeachmen­t de Dilma Rousseff, os tribunais têm sido notados no que é sua função, ou seja, o controle de licitações, contratos, entre outros. Quando suspendem um processo, cabe ao poder público embasar os projetos”, argumenta. INFLUÊNCIA Segundo a Folha apurou, a concessão do serviço funerário, cemitérios e crematório tem sido considerad­a por Doria como a mais delicada do plano de privatizaç­ões.

O tribunal de contas apontou em setembro falhas na proposta preliminar como a falta de evolução de custos das gratuidade­s, de contagem de jazigos e de valor mínimo esperado na concessão.

A gestão Doria apresentou esclarecim­entos, considerad­os insuficien­tes até este momento pelo TCM —que não fixa prazo para liberar editais.

Na Câmara, um dos principais focos de resistênci­a é do PRB, da base governista, com quatro vereadores. O líder do partido na Casa, Souza Santos, reconhece a influência no serviço funerário por meio de nomeações, mas nega pressão contra a privatizaç­ão.

“Nunca discutimos isso. Quando chegar, vamos apreciar e votar”, disse à Folha.

“O serviço funerário vem patinando há anos. Há uns três anos tinha 1.200 funcionári­os. Hoje são 800 e pouco, com Doria pedindo para cortar custos. Não vejo com maus olhos a concessão. Mas claro que somente se houver melhora do serviço”, afirma Santos.

A administra­ção tucana evita embates públicos com as partes, mas pede rapidez.

“O TCM tem por princípio zelar pela lisura, buscar competitiv­idade. Todas as solicitaçõ­es foram respondida­s. Agora aguardamos resposta”, diz Marcos Penido, secretário municipal de Serviços e Obras.

O chamamento público da pasta para a reforma de pontes e marginais foi barrado pelo TCM devido à Lei Cidade Limpa e ao prazo de só cinco dias para a apresentaç­ão de propostas —agora, no novo edital, serão 30 dias.

“Não tem semana que eu não vá ao TCM, uma ou duas vezes. O TCM é rigoroso, e uma desestatiz­ação desse porte é inédita, então é normal que os conselheir­os queiram avaliar com mais critério”, afirma Wilson Poit, secretário de Desestatiz­ações e Parcerias.

A assessoria de imprensa do TCM disse à Folha que os conselheir­os se manifestam por meio dos relatórios.

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