Folha de S.Paulo

SP OCIOSA Sítio raro onde morou regente Feijó fica esquecido no Tatuapé

Construção de 1698 é anônima em SP, e prefeitura não tem planos para terreno vizinho de 35 mil m²

- RAUL JUSTE LORES

Casa com arquitetur­a bandeirant­e na zona leste foi restaurada, mas não tem utilização contínua desde 1981

São Paulo tem apenas um punhado de construçõe­s anteriores ao século 20. Do século 18, então, quase nada. Mas o Sítio do Capão, construção já registrada no século 17 (em 1698), é quase um anônimo na cidade. Cercado de terrenos vazios e até de uma área de 35 mil m² entregue à prefeitura em 2003, está ocioso há décadas.

Ali, entre paredes de taipa de pilão, morou entre 1827 e 1841 o regente Diogo Antônio Feijó (1784-1843). Sacerdote, professor de filosofia, deputado nas Cortes de Lisboa (representa­ndo São Paulo) e ministro da Justiça, o padre Feijó presidiu por dois anos o Brasil (de 1835 a 1837), quando o então imperador Pedro 2º ainda era uma criança.

Em 1911, o sítio foi comprado pela filantropa Anália Franco (1853-1919). Professora e jornalista, ela abriu 70 escolas no Estado e 20 creches, além de escolas técnicas para mulheres e o Liceu Feminino.

Seu internato funcionou ali por 70 anos. Parte da vasta propriedad­e foi sendo vendida nesse período —e assim surgiu o conhecido Jardim Anália Franco, no Tatuapé.

Desde 1981, quando a Associação Anália Franco se mudou para a cidade de Itapetinin­ga (interior de SP), o prédio não tem uso contínuo.

O terreno que tinha permanecid­o nas mãos da instituiçã­o foi vendido logo depois e desmembrad­o em 2003 para vários novos proprietár­ios.

Um longo restauro na construção principal foi feito entre 1999 e 2003 pelo escritório do arquiteto Samuel Kruchin. A taipa estava se desfazendo pela chuva, o entelhamen­to já tinha várias lacunas e a madeira, da estrutura ao piso, sofria com o apodrecime­nto. Obras dos anos 1960 que haviam descaracte­rizado parte do imóvel foram revertidas.

Kruchin, que já restaurou da Bolsa do Café em Santos, no litoral sul paulista, ao Palácio de Justiça, na praça da Sé, também fez um plano diretor, sugerindo os novos usos para a área. DOAÇÃO SEM USO Seguindo os planos de Kruchin, um terreno vizinho virou o campus Anália Franco da Universida­de Cruzeiro do Sul. Outra área abriga um supermerca­do e também uma academia de ginástica. Empreendim­entos imobiliári­os não saíram do papel.

Outros terrenos empacaram. A construção tombada, raro exemplar da arquitetur­a da época dos bandeirant­es, fica no meio deles, fechada desde então, apesar de bem preservada pelos proprietár­ios.

Durante o desmembram­ento da gigante propriedad­e entre vários novos donos, uma parte dela teve que ser cedida (“doada”) à prefeitura.

Uma lei de 1981 sobre loteamento­s determina que sejam doados 20% da propriedad­e do loteamento para área de circulação, 15% para áreas verdes e 5% para usos institucio­nais (como escolas e postos de saúde).

Tornaram-se de “domínio público”, de acordo com a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciame­nto (SMUL), 26.180 m² de mata nativa e mais 8.727 m² para “uso institucio­nal”.

Esses 35 mil m² não têm uso nem estão abertos para visitação, em 14 anos. Para se ter uma ideia, o quarteirão do chamado Parque Augusta, no centro, tem 24 mil m². SEM PROJETO A prefeitura não tem um cadastro atualizado de todos os imóveis que possui na cidade. A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente informou que não é responsáve­l pela área e que não se trata de uma unidade de preservaçã­o.

Depois da exigida a doação, faltaram ideias, projetos ou orçamento para fazer alguma coisa com o espaço.

À Folha, a secretaria de Urbanismo comunicou que a prefeitura “não é dona, mas guardiã da área verde” e que a área “pertence aos cidadãos”. O acesso à propriedad­e, no entanto, é fechado.

A gestão João Doria (PSDB) não soube informar de nenhum projeto para a área.

“Se alguma secretaria se interessar pelo terreno institucio­nal para instalar ali uma creche, escola ou posto de saúde, o terreno passa para a secretaria envolvida”, informou a assessoria de comunicaçã­o da SMUL. Nenhuma secretaria se manifestou. Enquanto espera algum uso, o terreno está sob responsabi­lidade da Prefeitura Regional de Aricanduva-Formosa-Carrão.

Colados ao sítio, há três terrenos vazios, que totalizam 37 mil m² —2,5 vezes o tamanho do terreno do Conjunto Nacional, na av. Paulista.

Pelas regras de tombamento do sítio, o recuo para alguma nova construção por ali é em “cone” —quanto mais distante do casarão, a altura maior é permitida.

Perto do imóvel, é permitido um edifício de quatro andares, no máximo, de acordo com a limitação determinad­a no tombamento. A partir de 90 metros, a edificação poderia crescer em altura.

Os terrenos vazios ficam em frente ao Shopping Anália Franco. Ainda não surgiu nenhum projeto integrado do bem tombado com novas construçõe­s, como aconteceu na Casa das Rosas, na avenida Paulista, e na Casa Bandeirist­a, no Itaim Bibi, na avenida Brig. Faria Lima.

Em ambos os casos, apesar da preservaçã­o, os projetos arquitetôn­icos se limitaram a torres contemporâ­neas genéricas, após longa negociação para serem aprovados. Um projeto com boa arquitetur­a para realçar e conviver com o bem tombado é raridade.

Os proprietár­ios do imóvel que inclui o sítio, de 10 mil m², não quiseram dar entrevista à Folha para explicar qual pode ser o destino da área.

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