Folha de S.Paulo

Filme sobre artista Maria Martins é correto, mas não seduz nem arrebata

- SILAS MARTÍ

Maria Martins gostava de se dizer o “meio-dia pleno na noite tropical”. Outros, talvez inebriados por esse calor, enxergam “devoração mútua”, uma “sexualidad­e invasiva, que mordia pedaços das pessoas”, entre outras vontades tórridas, em suas esculturas.

Ela seria, com o perdão do clichê, uma força da natureza. O documentár­io sobre sua vida e obra, no entanto, não passa de uma faísca um tanto pálida diante da artista e da mulher que tenta dissecar.

“Maria - Não Esqueça que Venho dos Trópicos”, de Francisco Martins, é eficaz ao repassar sua existência cindida entre o jet-set bem comportado das rodas diplomátic­as e as paixões à flor da pele que atravessam sua obra, mas não seduz nem arrebata.

Personagem riquíssima, Maria Martins, que morreu aos 78, em 1973, foi casada com o embaixador brasileiro em Washington na década de 1940, mas manteve um ateliê —e um caso extraconju­gal com Marcel Duchamp— em Nova York na mesma época.

Sua obra, em nada menos extravagan­te que sua biografia, despontou no seio das vanguardas estéticas que migraram para Manhattan na ressaca da Segunda Guerra.

E críticos ouvidos pela primeira vez num necessário filme sobre a artista contextual­izam sua relevância para além das irresistív­eis anedotas —ela foi modelo da obra mais enigmática de seu amante famoso, “Étant Donnés”, em que uma mulher nua de pernas abertas é vista pelo buraco da fechadura.

Enquanto o carregado cenário da obra de Duchamp reveste de erotismo mórbido a visão do corpo da artista, num jogo ambíguo entre dor e prazer, a direção do filme poderia seguir o caminho contrário, evitando excessos e malabarism­os em trechos que transparec­em afetação.

Sequências em preto e branco, entrevista­s conduzidas pela atriz Malu Mader, um tanto fora de contexto ali, e leituras dramáticas dos escritos de Martins se esforçam para dar um verniz cult ao que poderia parecer só um especial de TV sobre a artista.

O tom protocolar das raras imagens de arquivo de Martins em vida também dificulta o trabalho de levar à tela a força de um dos nomes mais relevantes das artes visuais do século passado. Mas menos, nesse caso, poderia ter sido mais, como suas figuras animalesca­s, puras garras em riste, já mostravam lá atrás. DIREÇÃO Francisco C. Martins PRODUÇÃO Brasil, 2017, 12 anos ONDE Caixa Belas Artes, 21h AVALIAÇÃO regular

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