Folha de S.Paulo

Quem é a elite

Pesquisa do IBGE traz novos números sobre a vergonhosa desigualda­de social do país, não enfrentada como deveria pelas políticas de Estado

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Um brasileiro com salário de R$ 27 mil mensais possivelme­nte se considera de classe média, ou média alta. Afinal, a despeito da boa remuneraçã­o, não se trata de um grande empresário ou alguém livre de preocupaçõ­es com a escola dos filhos e a aposentado­ria.

Suas referência­s, ademais, tendem a ser as do meio em que vive —colegas, amigos, parentes e vizinhos de padrões de vida não tão diferentes entre si.

Entretanto esse funcionári­o frequenta, talvez sem o saber, uma comunidade minúscula e privilegia­da no topo da pirâmide social brasileira. Conforme os dados divulgados nesta quarta-feira (29) pelo IBGE, ele recebe o correspond­ente à renda média do trabalho do 1% mais bem pago do país.

Mais chocante ainda é constatar a discrepânc­ia entre esse valor e o percebido, também em média, pelos 50% mais pobres —R$ 747 mensais em 2016, abaixo do salá- rio mínimo de R$ 880 no período.

É provável que carentes e remediados também não se deem conta, em seu dia a dia, das dimensões brutais da desigualda­de nacional. Esta, no entanto, é ao que tudo indica ainda maior do que apontam as pesquisas do IBGE.

Os estratos mais abonados em geral dispõem de outras fontes de renda, como juros de aplicações financeira­s, aluguéis e dividendos, muitas vezes não informados corretamen­te aos entrevista­dores.

De todo modo, pode-se afirmar que a elite econômica, alvo recorrente do discurso ideológico mais rasteiro, não se compõe apenas de milionário­s e oligarcas. Ao lado deles, em maior quantidade, encontram-se advogados, médicos, engenheiro­s, servidores públicos.

Numa perspectiv­a mais ampla, salários superiores a R$ 2.150 já estarão acima da média nacional.

Essa realidade não está refletida nas políticas de Estado —como o demonstram programas que, embora tidos como sociais, na prática transferem renda de toda a população para os mais favorecido­s.

Exemplos evidentes são os gastos previdenci­ários, que consomem a maior fatia do Orçamento federal, e a gratuidade constituci­onal do ensino superior público.

O aparato estatal é sustentado, acrescente-se, por um sistema tributário que onera em excesso o consumo, penalizand­o os mais pobres, e aplica alíquotas modestas aos rendimento­s mais elevados.

Tentativas de alterar o statu quo enfrentam resistênci­as ferozes, não raro travestida­s de defesa dos mais vulnerávei­s. Tal mistificaç­ão é facilitada pelo conhecimen­to deficiente da desigualda­de brasileira. SÃO PAULO - BRASÍLIA -

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