Folha de S.Paulo

À portuguesa

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Pela força dos laços que nos unem, Portugal deveria ajudar as autoridade­s brasileira­s a passar o nosso país a limpo.

Na prática, porém, as decisões tomadas em Lisboa nos últimos tempos têm ajudado a transforma­r a velha metrópole em refúgio para a bandidagem do Brasil.

O motivo é simples. Em 2012, o governo português inaugurou um sistema de “vistos Golden” para indivíduos com 500 mil euros para investir em território português. O visto dá direito a residir em Portugal, onde as autoridade­s não fazem perguntas a respeito da origem dos recursos. A medida, talhada para atrair recursos de fora, virou uma balsa de salvação para bandidos de Angola, Brasil e China, os três países que encabeçam esse novo fluxo migratório.

A decisão portuguesa dá um novo endereço fiscal a quem precisa driblar a lei de repatriaçã­o de recursos —caso de muitos dos envolvidos na Lava Jato. Recebendo essa gente sem checar a origem dos recursos, as autoridade­s portuguesa­s fazem um desserviço à ex-colônia.

Portugal poderia se recusar a ser um escudo de proteção, estabelece­ndo como critério de concessão de vistos uma avaliação da fonte originária do dinheiro. Poderia também investir para valer na cooperação entre os Ministério­s Públicos de ambos os países, além de abrir dados fiscais, compartilh­ar provas e facilitar a extradição.

Nada indica, entretanto, que isso vá acontecer no futuro próximo. Afinal, o atual governo português está em plena guerra contra as instituiçõ­es de controle. Assim como ocorreu aqui com a Lava Jato, a política portuguesa também teve as entranhas expostas por uma megainvest­igação conduzida por juízes e promotores independen­tes.

A operação Marquês, por exemplo, produziu as provas que revelam como o ex-primeiro ministro José Sócrates acumulou 24 milhões de euros na Suíça e cometeu 31 crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, fraude fiscal e falsificaç­ão de documentos. Outros políticos e empresário­s estão na mira.

A classe política portuguesa cerrou fileiras contra a investigaç­ão, barrando a legislação que permitiria realizar delações premiadas. Lá, promotores e juízes ainda não conseguira­m mobilizar a opinião pública como aqui.

Qualquer possibilid­ade de cooperação jurídica real com o Brasil deixa os mandarins de Lisboa de cabelo em pé. Isso porque a operação Marquês também está revelando a podridão que levou a Portugal Telecom —dona da Oi— a criar um propinodut­o que aproxima a bandidagem brasileira da portuguesa.

Trata-se do capítulo mais novo e promissor na tentativa de desvendar os detalhes de como o crime organizado na cúpula do poder contamina as relações internacio­nais da comunidade de língua portuguesa.

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