Folha de S.Paulo

Cidade partida

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Que a política de segurança pública do Rio é um fracasso ninguém discute. Dito isso, e sem nenhuma intenção de isentar seus incompeten­tes governante­s, é importante lembrar quão complexo é o cenário do crime na cidade.

O Rio tem três facções principais de traficante­s: o Comando Vermelho (CV), a Amigos dos Amigos (ADA) e o Terceiro Comando Puro (TCP). Há, ainda, inúmeras milícias, das quais a maior é a ironicamen­te nomeada Liga da Justiça. Elas dividem e disputam entre si não apenas o comando das quase mil favelas —onde vivem cerca de 1,3 milhão de pessoas—, mas o das prisões.

Até 2005, havia um claro predomínio do CV, que controlava comunidade­s onde viviam cerca de 730 mil pessoas, segundo estudo dos pesquisado­res Christovam Barcellos e Alba Zaluar. Desde então, observou-se um decréscimo gradativo desse domínio, simultâneo ao avanço das milícias —que tomaram não só áreas do CV, mas as até então neutras.

Segundo dados de 2010, último Censo disponível, as milícias controlava­m comunidade­s com 422 mil habitantes, enquanto o CV tinha sob seu jugo 377 mil pessoas (ADA e TCP controlava­m, cada uma, favelas que totalizava­m 180 mil moradores). A disputa territoria­l entre as facções (e destas com o Estado) faz com que elas busquem armamento cada vez mais pesado. É difícil encontrar cidades com tantos fuzis como no Rio.

Esse cenário caótico e em constante mutação —alianças ocasionais são feitas entre inimigos, de acordo com a lógica da tomada e retomada de território­s— desafia qualquer plano de segurança. Veja-se o exemplo da Rocinha: um racha na ADA, que mandava no morro, levou o chefe do tráfico local a se aliar com o CV. Hoje, a favela está dividida entre as duas facções, que guerreiam. É possível a polícia intervir sem ajudar um dos lados? marco.canonico@grupofolha.com.br MATIAS SPEKTOR

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