Folha de S.Paulo

Novo míssil embaralha situação coreana

Teste da ditadura de Kim interrompe janela para eventuais negociaçõe­s e expõe incerteza sobre desfecho da crise

- IGOR GIELOW

Foguete teoricamen­te só não atinge América do Sul, mas dado é maquiado por condição real do lançamento

O teste de um novo míssil interconti­nental pela Coreia do Norte interrompe­u o que parecia ser uma janela para negociaçõe­s entre Pyongyang e Washington, com a intermedia­ção da China.

A ausência de lançamento­s desde 15 de setembro indicava que conversas secretas poderiam estar em curso, apesar de os EUA terem desde então recolocado a Coreia do Norte na lista de países que apoiam o terrorismo.

Com isso, fica ainda mais incerto o futuro da região, cuja crise atingiu níveis estridente­s neste ano, com a ascensão de Donald Trump e sua retórica belicista ao poder nos EUA e o avanço notável do programa de armas da ditadura de Kim Jong-un.

O novo teste, ocorrido nesta quarta (29), foi recebido com um grau maior de alarmismo. Segundo o secretário de Defesa dos EUA, James Mattis, o recado é de que Pyongyang busca atingir “qualquer lugar do mundo”.

Essa assertiva é baseada na análise do percurso do modelo Hwasong-15 lançado. Ao ser disparado em trajetória vertical para atingir 4.475 km de altitude, quase 800 km a mais do que os mísseis Hwasong-14 disparados em julho, o projétil indica tecnicamen­te possuir um alcance de 13 mil km num voo normal.

Com isso, todo o território americano ficaria vulnerável. No mundo, só América do Sul, Antártica e uns poucos outros território­s estariam a salvo da ameaça —piadas na internet sobre Kim devastar Brasília ficam para depois.

O problema é que o míssil voou com uma maquete de ogiva, provavelme­nte mais leve do que uma real, o que melhora seu desempenho.

As menores bombas de hidrogênio dos EUA, para uso em mísseis de cruzeiro, pesam cerca de 150 kg.

Mas a maioria das usadas em mísseis balísticos pesa quase 400 kg —e já é bastante miniaturiz­ada.

Segundo o especialis­ta em mísseis do IISS (Instituto Internacio­nal para Estudos Estratégic­os, de Londres), Michael Elleman, o alcance mais provável de um Hwasong-15 com uma bomba nuclear seria de 8.000 km.

Isso é suficiente para atingir o Havaí, o Alasca e cidades no noroeste dos EUA como Seattle, mas não todo o território americano.

O problema, como ele mesmo ressalta, é a dificuldad­e em saber o que é verdade. A Coreia do Sul, por exemplo, afirmou que os comunistas perderam contato com o foguete após seu lançamento, o que levanta dúvidas sobre o seu sistema de guiagem, mas é impossível ter certeza.

Também é incerta a afirmação do Ministério da Defesa do Japão, segundo a qual o veículo de reentrada na atmosfera do míssil partiu-se em três pedaços. PROGRAMA AVANÇA O que se sabe é que o programa de mísseis de Kim avançou muito neste ano. Foram ao menos 19 lançamento­s de modelos diversos.

Elleman é o autor do estudo segundo o qual os motores dos foguetes, que começaram a parar de falhar nos testes, foram contraband­eados da Ucrânia ou da Rússia.

Ambos os países europeus negaram a acusação, mas é fato líquido entre especialis­tas que os novos modelos interconti­nentais da família Hwasong (“Marte”, em coreano) usam um poderoso propulsor desenvolvi­do na antiga União Soviética, o RD-250.

Nas grandes potências nucleares, o ciclo de desenvolvi­mento de um míssil interconti­nental é de cerca de dez anos. Tudo indica que a Coreia do Norte esteja mais próxima de ter uma arma operaciona­l, em 2018 ou 2019.

Até aqui só foram três lançamento­s do tipo, aparenteme­nte nenhum deles testando de fato um veículo de reentrada, que precisa proteger a carga atômica de altas temperatur­as e vibração a uma velocidade de até 7 km/s. OS ALCANCES DOS MÍSSEIS INTERCONTI­NENTAIS 4.jul Hwasong-14 Alcance 6.700km 28.jul Hwasong-14 Alcance 10.000km

 ??  ?? Público reunido em praça de Pyongyang na quarta-feira (29) reage a veiculação, durante telejornal, de notícia sobre lançamento bem-sucedido de míssil pela Coreia da Norte
Público reunido em praça de Pyongyang na quarta-feira (29) reage a veiculação, durante telejornal, de notícia sobre lançamento bem-sucedido de míssil pela Coreia da Norte

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