Folha de S.Paulo

Estagnação como regra

- LAURA CARVALHO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado;

NO RELATÓRIO intitulado “Um ajuste justo: análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil”, o Banco Mundial realizou um diagnóstic­o do que sua equipe técnica —e os economista­s de dentro e de fora do governo consultado­s— consideram ser os principais desafios fiscais brasileiro­s.

No resumo executivo das primeiras páginas do documento, um parágrafo chama a atenção: “A princípio, a redução dos gastos não é a única estratégia para restaurar o equilíbrio fiscal, mas é uma condição necessária. (...) Certamente, há escopo para aumentar a tributação dos grupos de alta renda (por exemplo, por meio de impostos sobre a renda, patrimônio ou ganhos de capital) e reduzir a dependênci­a dos tributos indiretos, que sobrecarre­gam os mais pobres. (...) Tais medidas não são discutidas em detalhe neste relatório, mas deveriam fazer parte da estratégia de ajuste fiscal”.

Em outras palavras, apesar de admitir que há outros caminhos possíveis para o “ajuste justo”, o estudo encomendad­o não desviou do que já vem dominando o debate econômico desde 2015: elencar formas variadas de conter despesas com serviços públicos e benefícios sociais.

Para justificar a exclusão, o texto afirma que, “em relação a outros países latino-americanos, o Brasil possui uma alta carga tributária e grandes gastos sociais. O rápido cresciment­o das receitas durante os anos 2000 camuflou um aumento igualmente rápido das despesas, impulsiona­do por fatores estruturai­s (...). Embora a receita decrescent­e e as altas taxas de juros entre 2014 e 2016 tenham influencia­do esse resultado, o rápido cresciment­o das despesas primárias foi o motivador estrutural da deterioraç­ão fiscal”.

Ou seja, o ajuste fiscal tem de se dar pela via do corte de gastos sociais por duas razões. Primeiro, porque o nível atual desses gastos seria alto se comparado ao de outros países da América Latina.

Além de ignorar o tamanho de nossa população, a frase sugere que a sociedade brasileira não tem a possibilid­ade de realizar uma escolha democrátic­a por uma rede de serviços públicos e de proteção social mais em linha com a de países ricos e de cobrar mais impostos no topo da pirâmide, por exemplo.

Segundo, porque o cresciment­o mais acelerado das receitas nos anos 2000 teria apenas camuflado o cresciment­o estrutural das despesas.

A desacelera­ção teria trazido à tona a realidade: as receitas estão condenadas a crescer menos que as despesas. Em outras palavras, os anos 2000seriam­aexceção,aestagnaçã­o da economia brasileira é a regra.

É verdade que os anos 2000 foram marcados por um boom de commoditie­s que beneficiou a arrecadaçã­o do governo e que as despesas com benefícios sociais cresceram acima do PIB ao longo das últimas décadas. Mas o que vai condenar a economia brasileira a reproduzir o desempenho pífio das receitas que teve entre 2011 e 2016 é, em parte, a estratégia analisada pelo relatório.

Afinal, o estudo prevê que, para o cumpriment­o do teto de gastos, seria necessário reduzir o Orçamento do governo federal em 25% na próxima década. Mesmo com a aprovação da reforma da Previdênci­a e das demais medidas impopulare­s sugeridas no texto, os cortes ficariam aquém desse patamar.

Enquanto o teto não for revisto —o que as entrelinha­s do relatório mostram que ocorrerá mais cedo ou mais tarde—, os investimen­tos em infraestru­tura, ciência e tecnologia e outras rubricas essenciais terão de cair ainda mais, prejudican­do o cresciment­o e o próprio sucesso do ajuste. Diante disso, é uma pena que o documento não tenha oferecido alternativ­as mais justas e realistas. LAURA CARVALHO,

O Banco Mundial sugere que não podemos optar por uma rede de proteção mais em linha com a de países ricos

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