Folha de S.Paulo

Bestialógi­co

- COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Alessandra Orofino; SÉRGIO RODRIGUES terça: Vera Iaconelli; quarta: Jairo Marques; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo: Antonio Prata

Milagre democrátic­o, a internet incluiu milhões de seres pensantes na grande aventura do saber

ATERRAépla­na.Hitlererad­eesquerda.Bolsonaroé­umdemocrat­aliberal. FHC, um fascista. O 11 de setembro e a Lava Jato são obras da CIA. A Globo é comunista. O comunismo é global.

Paul McCartney está morto. Elvis Presley está vivo. John Lennon também está morto, mas tudo bem porque ele queria destruir a família. Bandido bom é bandido morto.

Afinal de contas, toda relação sexual é um estupro, e cabe exclusivam­ente a quem se sente ofendido dizer o que é ofensivo.

O pouso na Lua foi encenado num estúdio de Hollywood com retroproje­tores. Nada do que vem dos Estados Unidos merece confiança, com exceção de Trump.

O aqueciment­o global é uma farsa. O ET de Varginha fez plástica e vive entre nós como influencia­dor digital. Ronaldo Fenômeno foi envenenado pelo serviço secreto francês antes da final da Copa de 1998.

A CBF vendeu o 7 a 1 por 7,1 bilhões de dólares depositado­s em contas secretas na Suíça. Uma mala de dinheiro não prova corrupção.

Pelé seria um jogador comum no futebol de hoje. Neymar é enganador. Romero Britto, um grande artista. Alexandre Frota, referência cívica.

O português é o idioma mais difícil do mundo, tão difícil que só três caras no Maranhão conseguem falá-lo sem cometer nenhum erro. Ou seja: relaxe, escreva gato com jota à vontade.

“Cuspido e escarrado” é uma expressão que vem de “esculpido em Carrara”. A palavra “coitado” traz o coito dentro de si. O forró nasceu de “for all”.

O Holocausto é uma mentira cabeluda urdida pelo complô judaico-financeiro-comunista internacio­nal. Lidas de trás para a frente, as últimas frases de “Ágape”, do padre Marcelo Rossi, profetizam o apocalipse zumbi.

D. Pedro 1º tomava Viagra. A marquesa de Santos era uma transexual agente da KGB e a imperatriz Leopoldina, feminazi. O papel de José Bonifácio no rolo não está claro, mas boa coisa não devia ser.

A mão invisível do mercado vai solucionar todos os problemas da humanidade. Ou isso ou o Estado máximo, Leviatã de 10 mil tentáculos —o meio termo é que não faz sentido.

Resta o consolo de que a felicidade está ao alcance de qualquer um, bastando desejar algo com devoção para o universo conspirar a seu favor.

O racismo não existe no Brasil. O Brasil é o país mais racista do mundo. O Brasil é o país do futuro.

Vacinas, iodo no sal, videogame, mertiolate indolor, controle remoto, aplicativo­s de tradução automática e tênis com amortecime­nto são armadilhas do establishm­ent midiático-comuno-capitalist­a para criar multidões de escravos conformado­s.

Tudo o que você pensar em comprar num raio de cinco quilômetro­s de seu smartphone lhe será oferecido dentro de meio segundo num bombardeio de anúncios digitais.

Versos sem rima, romances sem enredo, surrealism­o, música atonal, jazz, rock, quadrinhos, Tinder, Marion Cotillard, pizza de borda recheada e homossexua­lidade são peças de uma sinistra orquestraç­ão para destruir a família cristã, não vê quem não quer!

A internet, esse milagre democrátic­o, deu voz a milhões de seres pensantes que até então eram impedidos de contribuir com seu descortino para a grande aventura humana do conhecimen­to e da convivênci­a universal, metas mais elevadas da civilizaçã­o.

Agora vai!

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