Folha de S.Paulo

CANSADO DE LUTAR

À espera de uma morte digna, como disse à Folha, e para desespero de sua mãe, jovem de 23 anos com doença renal crônica decide abandonar hemodiális­e

- CLEOMAR ALMEIDA COLABORAÇíO PARA A EM GOIÂNIA PROTESTOS DE 2013 CONGRESSO

FOLHA,

Na última vez que José Humberto Pires de Campos Filho, 23, entrou na piscina, há dois meses, os pés se retorceram. A dor latejante invadiu o corpo. Teve de se sentar na borda, em um clube de Caldas Novas, a 170 km de Goiânia.

Eram os reflexos da doença renal crônica da qual padece desde 2015. Tão diferente dos tempos em que vencia torneios de natação nos Estados Unidos, na adolescênc­ia.

Agora, aos 23, José Humberto decidiu parar. Quer ficar distante das piscinas e das sessões de hemodiális­e. Não tem mais vontade de viver.

“Quero uma morte com dignidade, sem a dor do tratamento”, diz o jovem, em entrevista exclusiva à Folha.

A mãe não concorda e buscou ajuda na Justiça. O Tribunal de Justiça de Goiás confirmou nesta semana decisão a favor da costureira Edina Maria Alves Borges, 56, para a interdição do rapaz.

A sentença segue decisão de primeira instância, de fevereiro. Ela determina a interdição parcial do paciente, e nomeia como curadora a sua mãe, por um ano, só para levá-lo à hemodiális­e.

A interdição vale sem nenhum uso de força ou sedação. Por isso, na prática, Edina sente ter em mãos um papel vazio, já que o filho se recusa a seguir o tratamento.

Das quatro sessões semanais na máquina que funciona como rim artificial, para filtrar o sangue, ele decidiu ir só a duas. E alertou a mãe que, a partir de 2 de janeiro, não fará mais nenhuma.

“Ver um filho morrendo aos poucos é muito difícil. Suportar tudo isso é terrível.”

A hemodiális­e libera o corpo dos resíduos prejudicia­is à saúde, como o excesso de sal e de líquidos, controla a pressão arterial e ajuda a manter o equilíbrio de substância­s como sódio, potássio, ureia e creatinina.

“Não dou conta de ficar na máquina porque dói muito. Quero morrer na data que deve ser, naturalmen­te, sem ter intervençã­o da medicina me forçando a viver”, diz o jovem, deitado em uma grande cama, suficiente para acomodar os seus 1,85 m e 73 kg. FORA DO BRASIL Mãe e filho moram sozinhos. José fica boa parte do dia trancado no seu quarto, com janela e cortina fechadas. Enquanto o rapaz dava entrevista, Edina costurava no cômodo ao lado.

Ela lembra de quando viu o caçula de seus três filhos pousar no aeroporto de Goiânia, em maio do ano passa- do, dez meses depois de ser diagnostic­ado com a doença nos Estados Unidos, onde morou com o pai.

Fora do Brasil, só tomou remédio paliativo. “Ele chegou bastante inchado. Estava quase irreconhec­ível”, lembra. Três meses depois, começou a hemodiális­e.

A lado da cama, José tem a companhia de um computador, uma cesta de remédios e uma cadeira de rodas que passou a usar, há um mês, para se locomover em casa, em Trindade, na Grande Goiânia.

Ele sai para a rua só para ir à hemodiális­e. Não consegue mais andar. Os pés não suportam o peso do corpo, e as pernas estão se atrofiando.

“Antes eu andava me arrastando, mas agora os pés não mexem mais. Não sou obrigado a fazer tratamento que não quero. Nada vai fazer eu mudar de opinião.” ON-LINE

Ele toma dez medicament­os de alto custo. Alguns são fornecidos pela central de distribuiç­ão do Estado.

Concluiu o ensino médio e prestou o Enem no ano passado. Antes da doença, o jovem dizia que seu sonho era rodar o mundo todo.

Desde a sua última tentativa de entrar na piscina, em setembro, mês de seu aniversári­o, José só piorou.

“Ele voltou mais revoltado por causa disso”, conta a mãe, com a aflição estampada no rosto.

A junta médica do Judiciário goiano, formada por psiquiatra­s, psicólogos e assistente­s sociais, não identifico­u sinais de depressão em José.

A perícia atesta que ele é lúcido e está com a consciênci­a preservada, mas considera que a sua capacidade de entendimen­to e determinaç­ão está prejudicad­a, o que o prejudica a ter “vontade efetivamen­te livre”.

Os especialis­tas entendem que esse é um caso de transtorno de ajustament­o, já que, na avaliação deles, o diagnóstic­o da doença fez o jovem ser tomado por fortes emoções e perder perspectiv­as de vida.

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casa, em Trindade (GO)
Pedro Ladeira/Folhapress José Humberto Pires de Campos Filho, 23, em sua casa, em Trindade (GO)

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