Folha de S.Paulo

Mulher pré-histórica tinha mais muque que atleta atual

Seus braços eram 15% mais robustos que os de remadoras profission­ais de hoje

- REINALDO JOSÉ LOPES

Análise foi realizada a partir de parâmetros dos ossos úmero e tíbia; pernas das ancestrais não eram tão fortes FOLHA

Se “sexo frágil” já é um estereótip­o burro no mundo moderno, imagine na pré-história, quando o muque das antigas europeias era mais potente do que o de remadoras profission­ais de hoje.

É isso, em suma, o que revelou a análise dos ossos de mulheres que viveram entre o Neolítico (a partir do ano 5500 a.C., mais ou menos) e a Idade do Ferro (até o começo da Era Cristã) na Europa Central e Oriental.

Usando tomografia computador­izada, a pesquisado­ra Alison Macintosh e seus colegas da Universida­de de Cambridge, no Reino Unido, compararam a estrutura óssea dessas moças pré-históricas com atletas atuais (jogadoras de futebol, corredoras e remadoras) e com mulheres que não praticam esporte de maneira intensa.

Esse tipo de estudo já vinha sendo feito há algum tempo comparando as caracterís­ticas ósseas dos homens do passado remoto com as das mulheres que foram suas contemporâ­neas.

A questão, porém, é que uma série de detalhes da biologia do desenvolvi­mento humano, como a resposta do organismo a hormônios, por exemplo, faz com que os ossos de cada sexo respondam, em média, de maneira diferente ao esforço físico.

Tanto entre homens como entre mulheres, quanto mais alguém se exercita, mais isso se reflete em coisas como a espessura e densidade do osso —mas os ossos de membros do sexo masculino reagem de forma mais forte e clara a tais estímulos.

“Este é o primeiro estudo que realmente comparou os ossos de mulheres pré-históricas com os das modernas”, explicou Alison em comunicado oficial. O estudo foi publicado nesta quarta-feira (29) no periódico científico “Science Advances”. PERNAS E BRAÇOS Os ossos escolhidos para a comparação foram a tíbia (na canela) e o úmero (na parte superior do braço; veja infográfic­o), que costumam refletir bem o esforço físico envolvendo os membros inferiores e superiores, respectiva­mente.

Em todos os períodos pré- históricos, os sinais de esfor21. As da Idade do Bronze tiço físico envolvendo as pernas nham braços mais fortes em foram considerad­os, em méproporçã­o semelhante, supedia, moderados, não muito dirando em até 13% as remadofere­ntesdequem­fazcaminha­ras modernas —mas, curiosadas leves hoje em dia (e abaimente, pernas 12% mais fraxo do que se vê entre corredocas. ras e jogadoras de futebol). O que explica tamanho bí

Por outro lado, os braços ceps das moças de milhares das mulheres do Neolítico eude anos atrás? Trabalho duropeu eram 30% mais fortes ro, e não esporte, muito prodo que a de suas contraparv­avelmente. tes não esportista­s de hoje, e Para começar, apontam os até 15% mais robustos do que pesquisado­res de Cambridos das remadoras do século ge, a maior parte dos dados vêm de uma época anterior à invenção dos moinhos, o que significa que a tarefa penosa de produzir farinha a partir de cereais era feita inteiramen­te com moedores manuais, inicialmen­te de pedra —trabalho que exigia várias horas de esforço por dia.

À moagem dos grãos podemos somar a produção de cerâmica, o processame­nto de couro e de lã e grande parte das tarefas associadas ao plantio e à colheita, também realizadas no braço durante milhares de anos antes da invenção do arado puxado por animais.

“Nossos achados sugerem que, por muito tempo, o trabalho manual rigoroso das mulheres foi um impulsiona­dor crucial das economias agrárias primitivas”, resume Jay Stock, outro autor do estudo.

ALISON MACINTOSH

cientista da Universida­de de Cambridge

JAY STOCK

cientista da Universida­de de Cambridge IDADE As mulheres viveram entre o Neolítico (5500 a.C., aproximada­mente) e a Idade do Ferro (início da Era Cristã) OS OSSOS COMPARADOS Os cientistas analisaram as caracterís­ticas do e da

das mulheres pré-históricas...

Este é o primeiro estudo que realmente comparou os ossos de mulheres pré-históricas com os das modernas Nossos achados sugerem que, por muito tempo, o trabalho manual das mulheres foi um impulsiona­dor crucial das economias agrárias primitivas

MUQUE SIMILAR Enquanto o osso da perna das mulheres pré-históricas era similar ao das sedentária­s atuais, o do braço era tão forte quando o das remadoras profission­ais de hoje, o que indica atividade física intensa em diversos tipos de tarefas há milhares de anos

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