Nova testemunha liga TV Globo a propina
Valor pago por direitos de TV iria para cartolas; emissora reafirma que não paga suborno
Mais uma das testemunhas de acusação do julgamento do ex-presidente da CBF José Maria Marin no escândalo de corrupção da Fifa citou a TV Globo em suposto esquema de pagamento de propinas por direitos de transmissão de competições de futebol.
José Eladio Rodríguez, exbraço direito de Alejandro Burzaco, empresário argentino dono da Torneos y Competencias, disse que a T&T, uma offshore do grupo, foi criada na Holanda para receber pagamentos de grupos de mídia, entre eles da emissora brasileira, que então seriam desviados a dirigentes de futebol. Os valores, segundo Rodríguez, eram inflados para disfarçar o pagamento de propina nos contratos.
Rodríguez afirmou que José Maria Marin, ex-presidente da CBF que agora está sendo julgado em Nova York, foi um dos que receberam propina. Ele citou ainda Marco Polo Del Nero, atual chefe do fu- tebol brasileiro, e Ricardo Teixeira, que abandonou o mesmo cargo há cinco anos, sob uma série de suspeitas.
Nas planilhas da contabilidade paralela da Torneos y Competencias, examinadas em detalhe pela acusação, os cartolas apareciam sob o nome “iluminados”. Seria a designação secreta de Rodríguez para destinatários de pagamentos —durante anos, a testemunha foi responsável por executar as transferências seguindo as instruções de Alejandro Burzaco.
Nos exercícios fiscais sob a rubrica “iluminados”, a palavra Globo aparece pelo menos quatro vezes, associada a pagamentos que chegam a US$ 12,8 milhões relativos aos direitos da Libertadores e da Copa Sul-Americana.
Milhões de dólares fluíram das contas da Torneos para offshores e contas bancárias em instituições financeiras do mundo todo, entre elas os bancos Julius Bähr e Credit Suisse, na Suíça, e Hapoalim, com uma sede em Nova York.
O depoimento coincide com alegações dadas por Burzaco há duas semanas.
Rodríguez reconheceu diante do júri a mesma troca de e-mails com o ex-chefe em que discutiam a impaciência de Marin e Del Nero, irritados com a demora para receber seus pagamentos —os cartolas, segundo documentos da Torneos, recebiam US$ 600 mil por ano, valor depois atualizado para US$ 900 mil.
Ele também confirmou que usava o termo “brasilero”, presente em documentos da Torneos, como codinome de Teixeira e depois de Marin e Del Nero, que passaram a receber a parcela de propina antes destinada a Teixeira.
Num ponto que atesta o que os advogados de defesa de Marin vinham frisando, Rodríguez se disse confuso ao identificar quem naquele momento presidia a CBF, já que Marin e Del Nero eram sempre vistos juntos –Burzaco, em seu depoimento, chegou a comparar a dupla de cartolas a gêmeos siameses.
Rodríguez reconheceu Alexandre da Silveira, secretário pessoal de Del Nero, e José Hawilla, o brasileiro dono da Traffic, empresa de marketing esportivo, em fotografias mostradas pela acusação. OUTRO LADO Procurado pela Folha, o Grupo Globo confirmou que fez pagamentos à T&T referentes à compra de direitos de transmissão, mas se disse “surpreso” com as alegações feitas durante o julgamento.
“O Grupo Globo comprou em boa fé os direitos da Libertadores da empresa T&T Holanda, então detentora dos direitos. O Grupo Globo está muito surpreso com as alegações feitas no julgamento de que aquela empresa era usada para o pagamento de propinas a terceiros e reafirma que não tolera nem paga propinas”, disse em nota.
Del Nero e Ricardo Teixeira negam ter recebido propina. Os advogados de Marin só se pronunciarão após o julgamento. O ex-presidente da CBF se declarou inocente das acusações de extorsão, fraude e lavagem de dinheiro.