Folha de S.Paulo

Paris ganha primeiro restaurant­e naturista

Repórter tira a roupa e conta como é jantar no O’Naturel, aberto há quase um mês no 12º distrito da capital francesa

- MÁRIO CAMERA

Só chef, ajudante de cozinha e donos ficam vestidos; experiênci­a na casa é mais sensorial do que gastronômi­ca FOLHA,

Cai uma chuva fina e apesar da temperatur­a estar longe das alcançadas num fim de outono normal, faz frio em Paris. Em frente ao recémabert­o restaurant­e O’Naturel, numa rua escura do residencia­l 12º distrito da capital francesa, me pergunto se a sensação será a mesma quan- do adentrar o local e tiver que tirar toda a roupa para uma experiênci­a inédita para mim: jantar como vim ao mundo, sob o olhar de outros clientes —igualmente nus.

Primeiro e único restaurant­e naturista de Paris, o O’Naturel foi aberto há quase um mês e ficou conhecido depois de o jornal “Le Parisien” publicar uma reportagem sobre o lugar.

Do lado de fora, só uma placa com o nome da casa sobre um pano de fundo indica que o local fica ali, no térreo de um prédio moderno. Toco a campainha e Stephane Saada, 42, abre a porta coberta com cortina. Para preservar a intimidade dos clientes, as cortinas se multiplica­m no caminho entre a rua e o salão onde a comida é servida.

Stephane me conta que, após 20 anos no setor de seguros, ele e o irmão gêmeo, Mike, decidiram largar tudo e abrir o restaurant­e.

A ideia de tornar a casa naturista nasceu quando os dois souberam de um espaço dedicado ao naturismo no Bois de Vincennes. Local onde fica a única piscina pública de Paris dedicada a quem gosta de ficar pelado socialment­e, a região é conhecida como o “polo naturista” da cidade.

Enquanto conversamo­s, a campainha toca. Os primei- ros clientes estão chegando e eu devo jogar o jogo. Devo me despir e colocar os pertences num armário. Não é permitido entrar com telefones ou câmeras no local.

Ao meu lado, um jovem austríaco já está sem camisa e pronto para tirar a calça. Explico que sou repórter. Pergunto se ele já tinha estado no local. “Não, mas já tive uma experiênci­a parecida em Londres”, conta, ao falar de um restaurant­e efêmero aberto na capital britânica.

Depois de trancar meus pertences no armário, entro na sala ainda vazia, vestindo pantufas e óculos. O fato de estar nu não me perturba, mas me sinto um pouco idiota quando percebo que estou de óculos. Se é para ficar pelado, que seja completame­nte. A miopia não me impede de ver a decoração.

Uma das paredes é pintada de azul anil, as outras são brancas. Ao fundo, um bar funciona de base para os gêmeos Saada controlare­m a sala. A iluminação é fria, mas deve ser trocada em breve, para tornar o ambiente mais intimista. Os dois —únicas pessoas junto com o chef e o ajudante de cozinha a estarem vestidas— afirmam que são muito atentos a clientes com segundas intenções. O fato de todos estarem nus não deve implicar comportame­ntos com conotação sexual.

Escolho uma mesa de canto, de onde posso ver quem entra na sala. Insisto na mi- nha cabeça que a escolha foi feita por motivos jornalísti­cos, mas ao mesmo tempo me sinto protegido naquele lugar.

Quando recebi a incumbênci­a para fazer uma reportagem sobre um restaurant­e onde se come nu, a primeira coisa que me veio à cabeça foi a higiene. Sentar onde outro cliente acabara de levantar o traseiro não me parecia a melhor maneira de começar o jantar. Mike me mostra que as cadeiras são cobertas com um forro, trocado a cada vez que o comensal deixa o local.

O austríaco do vestiário entra logo depois de mim. A campainha volta a tocar. A moça que ele havia convidado para jantar chega ao local. De onde estou, posso ouvir que o casal Michel e Marie de Korgomat, com quem cruzei na calçada em frente ao restaurant­e, também entrou.

Ambos estão com um amigo e comemoram o aniversári­o de 67 anos de Michel. Entram vestindo só gravata borboleta. Pedem champanhe — nesse meio tempo, o austríaco levantou-se da mesa e foi ter com a amiga, que acabara de descobrir que sua menstruaçã­o havia chegado. Apesar da oferta de Stephane para que usasse calcinha, ela diz que voltará em outro dia. A COMIDA O O’Naturel tem um cardápio de comida francesa. Por € 49 (R$ 187,50), pode-se pedir entrada, prato principal e sobremesa. Por € 39 (R$ 149), escolhe-se entre entrada e prato ou prato e sobremesa. Fora do menu, os pratos principais custam € 32 (R$ 122).

Peço uma salada de lagosta com miúdos de pato e costelas de cordeiro com cebolas e tomates confitados. A sobremesa é um crumble invertido com geleia de tangerina e mascarpone ao limão. As porções são generosas, e a comida, correta. Apesar de ser restaurant­e, O’Naturel oferece uma experiênci­a mais sensorial do que gastronômi­ca.

Quando a entrada chega, coloco o guardanapo no colo. O fato de limpar a boca e levar o guardanapo sujo de volta ao colo me incomoda. Não há o que fazer, ou protejo as partes ou me arrisco sujá-las.

A campainha volta a tocar, e risos nervosos vêm do vestiário. Um grupo de seis jovens americanas e australian­as abre a cortina. Algumas cobrem os seios e o meio das pernas com as mãos.

A conta é paga no pequeno hall de entrada. Volto a ficar pelado na frente de todos quando levanto da mesa e sigo até o vestiário. Depois de pagar e me despedir de Stephane, ganho a rua novamente. Vestido com algumas camadas de roupa, volto a sentir o incômodo frio de fim de outono em Paris. ONDE 9, rue de Gravelle, Paris QUANDO: de terça a sábado, das 19h30 às 23h. Reservas em restaurant-onaturel.fr

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil